Anais EnAJUS 2023

ISSN 2674-8401

Governança e Valor Público: os Desafios à Inteligência Artificial nos Tribunais Brasileiros

Autoria: João Paulo Braga Cavalcante, Flávio José Moreira Gonçalves, Flavianne Damasceno Maia, Nara Rejane Gonçalves de Araújo,

Informações

Sessão 3 - 23/10/2023, 14:00
Mediação: Tomas de Aquino Guimaraes (Universidade de Brasília)

Resumo

 Tendo como referencial o paradigma da nova governança e do valor público, investigamos em que medida projetos de Inteligência Artificial (IA) desenvolvidos por tribunais de justiça brasileiros estariam articulados de forma a promover resultados políticos efetivos, entregando bens públicos legítimos, almejados coletivamente. No contexto do acesso à justiça, significa perguntar até que ponto as iniciativas estariam conectadas ao contexto social ou aos desafios políticos do Judiciário de promover a inclusão social via acesso a serviços judiciais, dando aos cidadãos dignidade na busca pela resolução de conflitos. O objetivo de todo e qualquer projeto no setor público, inclusive na área de inovação tecnológica, é alcançar resultados públicos e o bem-estar coletivo vislumbrado no valor público. Os desafios atuais exigem uma abordagem interinstitucional da administração do Judiciário, na qual o CNJ tem sido o ator principal, atuando também em conjunto com outras instituições nacionais e internacionais, ao lado de centros de estudo e pesquisa. O estudo considera ainda, na análise e categorização das iniciativas de IA pelos tribunais, que novos modelos de justiça, no sentido de um processo de construção mútua e participativa, passam pela discussão da transparência e da responsabilização dos gestores e órgãos públicos na gestão de recursos para o enfrentamento dos problemas sociais, sendo o Judiciário um ator coletivo cada vez mais demandado, face ao contexto de vulnerabilidade que afeta amplamente diversos grupos sociais no Brasil, e, como consequência, o acesso desses grupos a serviços judiciais. Este ponto é crucial para a promoção da cidadania e paz social. É neste cenário em que a IA entra como mais um fator, mais um elemento de complexidade no sistema social. Este é o parâmetro que deve nortear a adoção de novas tecnologias, tendo em vista os desafios de natureza política da atuação de órgãos públicos. Isso significa dizer que o contexto de aplicabilidade do investimento em projetos de IA deve considerar a capacidade efetiva de tais recursos para gerar valor público, ou seja, equidade e transparência. Por essas razões, o empreendimento de IA no Judiciário segue caminhos e dilemas muito diferentes do mundo do mercado, no qual a maximização de lucros é dominante. A IA é um fenômeno sociotécnico que tem sido motivo de grande repercussão em diversos segmentos da sociedade, com discussões variadas, envolvendo aspectos técnicos e, sobretudo, da economia do mundo do trabalho e da ética. No âmbito do Judiciário, não poderia ser diferente. Há, de fato, uma corrida nos tribunais pela IA, como demonstram a Plataforma Sinapse e a Plataforma RenovaJUD, ambas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Elas são reflexo deste fenômeno: por volta de 2020, o Judiciário viu-se numa encruzilhada e deveria atuar proativamente no monitoramento, sob vários aspectos, do desenvolvimento da IA nos tribunais do país. No último levantamento, vimos crescer em torno de 171% as iniciativas em IA na plataforma Sinapse. Este contexto também coloca desafios específicos aos estudiosos e planejadores do sistema de justiça, vez que tais projetos na esteira na onda da transformação digital, são sustentados por recursos públicos, ainda que alguns deles usem tecnologia open source para entregar aos jurisdicionados uma solução. Com base em um modelo de análise de governança pública alinhado às práticas mais disseminadas internacionalmente, como meio de entregar valor público e diante do cenário social que impõe desafios muito caros ao Poder Judiciário, foi possível destacar alguns fatores críticos, os quais devem ser levados em consideração, tanto pelos gestores públicos, como por estudiosos do tema. Neste caso, após realizada a categorização das experiências de IA com foco na dimensão inclusão/acesso, pode-se concluir que algumas inciativas parecem se articular com um processo mais abrangente de inovação, reestruturação do serviço judicial e com o processo/mudança de cultura da instituição. Isso é um reflexo das metamorfoses que vêm ocorrendo na própria sociedade, palco da Revolução Tecnológica, na qual os próprios órgãos judiciários buscam dar reposta mais holística e, em alguns casos, interinstitucional, aos novos problemas de governança para solucionar a dificuldade de acesso ou de inclusão e combater a morosidade. Por outro lado, outras experiências de IA parecem replicar de forma superficial ferramentas de chatbot (algo que tem sido bastante noticiado ultimamente nas mídias do meio jurídico, com certo entusiasmo). Esta tecnologia, também conhecida como contatos inteligentes no meio especializado, já amplamente adotada na área comercial, por vezes é incrementada sem uma diretriz vinculada com a estrutura e política de TI da organização. A questão principal envolvendo chatbots é adotá-los como a solução de um serviço ou produto, quando, na verdade, eles não possuem esta função. De acordo com a metodologia e conceito vigentes para chatbots, empresas e instituições precisam estar aptas para manter os serviços e entregar respostas, que no setor público são tangenciais, sendo a própria equidade e transparência públicas percebidas pelos cidadãos. Em um cenário onde o processo e a estrutura por trás de determinados serviços judiciais não são pensados de forma mais estratégica, na perspectiva de um redesenho, um bot pode ser mais um canal de informações, ou mesmo um recurso que libera humanos de certas atividades para atuarem como força de trabalho em outras tarefas. O resultado é que o serviço, após o input, passa por uma série de burocracias, mantendo a morosidade judicial. Se, por um lado, ainda há a necessidade de amadurecimento de certas iniciativas, outros chatbots estão melhor estruturados e conectados a propostas com uma política mais ampla, com resultados políticos mais efetivos ou com a celeridade processual. O fato é que alguns projetos caminham rumo à inclusão, num sentido mais político, de fornecer ferramentas ao cidadão e menos burocracia, enquanto outros focam mais nas ferramentas de IA, agilizando demandas para aqueles que já possuem recursos materiais e intelectuais para procurar o Judiciário na busca de solução de conflito. O resultado deste trabalho evidencia que tanto os bots como a produção via IA de documentos ou execução de etapas de um processo vieram para ficar e é exatamente por isso que gestores e acadêmicos da área precisam estar conscientes dos objetivos de governança e valor público, que são os fins em si mesmos das organizações públicas. São eles que devem dar o norte aos projetos em meio a esta nova onda tecnológica, face ao cenário atual, ainda marcado pela dificuldade e mesmo exclusão de amplos segmentos sociais do acesso ao Judiciário e à justiça em uma acepção mais ampla. 

Palavras-chave

Inclusão; Inteligência Artificial (IA); Governança; Valor Público.
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