Anais EnAJUS 2023

ISSN 2674-8401

Medidas protetivas online no Tribunal de Justiça do Maranhão: perspectivas para aprimoramento do acesso à justiça por mulheres

Autoria: Marcela Santana Lobo

Informações

Sessão 8 - 23/10/2023, 16:00
Mediação: Pedro Miguel Alves Correia (Consultor da Direção-Geral da Política de Justiça, Ministério da Justiça de Portugal)

Resumo

 RESUMOA medida protetiva de urgência, introduzida pela Lei nº 11.340/2006 (BRASIL, 2006), constitui um dos principais instrumentos de proteção da mulher em situação de violência doméstica. Em sua concepção original, a lei não contemplou uma previsão procedimental, limitando-se a apontar a legitimidade múltipla para propositura do requerimento e categorizar os tipos de provisões judiciais que poderiam ser concedidas após o exame do requerimento formulado. O requerimento, em conformidade com artigo 12, §1º, deveria conter qualificação dos envolvidos, nome e idade de dependentes, descrição do fato e das medidas solicitadas e, a partir de 2019, informação se a ofendida é pessoa com deficiência e se da violência sofrida resultou deficiência ou agravamento de deficiência preexistente. Boletim de ocorrência e documentos disponíveis em posse da ofendida também deveriam ser anexados ao requerimento. Ao juízo, impôs o conhecimento do pedido e a manifestação quanto ao (in)deferimento no prazo de quarenta e oito horas. Entre os legitimados, garantiu expressamente que a mulher mantivesse a capacidade postulatória para ajuizamento da demanda, visando oportunizar um amplo acesso à justiça e evitar retardo no conhecimento de pedidos urgentes, não obstante a preocupação em garantir assistência judiciária em todos os atos processuais nos termos dos artigos 26 e 27 da Lei 11.340/2006. O requerimento não exige, portanto, maior complexidade, de forma que, despido de maiores requisitos, seja apresentado diretamente à autoridade judiciária, que, em conformidade com o caso concreto, definirá as medidas cabíveis, podendo substituí-las no curso da validade da decisão. A simplicidade e a facilidade de acesso são diferenciais para o célere ajuizamento e para a manifestação judicial. Em 2021, a Lei nº 14.149 formalmente agregou o formulário de avaliação de risco como política pública de enfrentamento à violência, recomendando o seu preenchimento no primeiro atendimento à mulher (BRASIL, 2021). Assim, sugere-se que no momento de apresentação do pedido de medidas protetivas de urgência esteja a ele integrado o formulário preenchido como mais um instrumento para a compreensão da realidade da mulher e definição de estratégias de proteção. Em uma perspectiva instrumental, o acesso à justiça foi profundamente impactado pelo advento do processo eletrônico, a partir da Lei nº 11.419/2006. O novo modelo passou a permitir que o ajuizamento das demandas fosse realizado de forma automatizada em sistemas, pelo próprio peticionante, visando conferir maior celeridade à tramitação dos feitos (SILVA; SANTOS, 2020). Inicialmente, a justiça eletrônica alcançou feitos de natureza cível, migrando gradativamente para a justiça criminal. Acompanhando tal evolução, as medidas protetivas passaram a tramitar eletronicamente. Após, em uma segunda onda de progresso, adviera as medidas protetivas on line, cujo projeto piloto surgiu em Campos Grande/MS (CONSELHO, 2020) representando um importante instrumento para acesso das mulheres ao sistema de justiça. O Tribunal de Justiça do Maranhão acompanhou as ondas de evolução tecnológica, aderindo aos sistemas eletrônicos e de medida protetiva on line, buscando, inclusive, aperfeiçoar esse projeto. Através de formulário disponibilizado no site do tribunal, preenchido diretamente pela solicitante, de qualquer localidade, a mulher pode requerer a concessão de medidas protetivas, gerando petição que será distribuída no sistema eletrônico - PJe. Dispensa, assim, a existência de um certificado digital e de um intermediário, que seria o responsável pela distribuição do procedimento. Tal projeto foi, inicialmente, implantado na capital São Luís e grande ilha, com posterior expansão para todas as comarcas maranhenses. Assim, o presente artigo discute as medidas protetivas on line no âmbito do Tribunal de Justiça do Maranhão e a observância por essa Corte dos componentes instituídos na Recomendação nº 33 da CEDAW para um efetivo acesso à Justiça. Avalia-se a utilização do sistema ao longo de novembro de 2021, quando foi implementado, a maio de 2023, visando compreender se houve adesão e eventuais obstáculos existentes ao acesso por mulheres em situação de violência doméstica. Extraídos dos sistemas eletrônicos de tramitação, os dados atuais apontam para uma subutilização, com 459 distribuições no período apontado, dos quais 317 foram na comarca de São Luís. Para análise dos dados coletados, utiliza-se um método indutivo-científico e teórico-feminista, pois se mostra indispensável no percurso adotado compreender, à luz da centralidade da mulher e de sua experiência, que barreiras podem ser identificadas. Justifica-se, ainda, o estudo a dada a necessidade de aperfeiçoamento do acesso à justiça e avaliação das políticas públicas judiciais adotadas, considerando à adesão à Agenda 2030 e seus objetivos de desenvolvimento sustentável de nºs. 5 e 16. O estudo compreende três seções. Em um primeiro momento, avalia-se o instrumento da medida protetiva on line, sua inserção no modelo de desenvolvimento e pretensão de democratização de acesso, observando, na análise, como ele se situa na política pública de enfrentamento à violência doméstica adotada pelo Tribunal de Justiça do Maranhão e como sua posição é comunicada aos demais atores no sistema de justiça. Na segunda seção, debate-se o atendimento dos componentes apontados na recomendação nº 33 da CEDAW (NAÇÕES UNIDAS, 2015) na execução do projeto de medidas protetivas on line, discutindo potenciais barreiras que possam dificultar a difusão do sistema e sua utilização. Por fim, apresentam-se sugestões que possam contribuir para a melhoria de articulação da rede, divulgação do sistema e utilização, em especial à luz das recentes disposições introduzidas pela Lei nº 14.550/2023 (BRASIL, 2023), que reforçam a autonomia das medidas protetivas, dispensando registros em delegacia ou judiciais para a solicitação de medidas protetivas, apontando que a concessão será realizada após cognição sumária da manifestação apresentada, sem a necessidade de tipificação penal.REFERÊNCIASBRASIL. Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em 11 jun. 2023.BRASIL. Lei nº 14.149, de 5 de maio de 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14149.htm. Acesso em 11 jun. 2023.BRASIL. Lei nº 14.550, de 19 de abril de 2023. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14550.htm. Acesso em 11 jun. 2023.CONSELHO Nacional de Justiça. Em Campo Grande (MS), mulheres já podem solicitar medidas protetivas pela internet. Publicado em 15 jul. 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/em-campo-grande-ms-mulheres-ja-podem-solicitar-medida-protetiva-pela-internet/. Acesso em 11 jun. 2023.SILVA, A.P.F.; SANTOS, L.F.B. Processo judicial eletrônico: contexto, implantação e seus impactos na sociedade. R. Tecnol. Soc., Curitiba, v. 16, n. 42, p. 260-268. jul/set. 2020. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/rts/article/view/10451. Acesso em: 11 jun. 2023.NAÇÕES UNIDAS. Recomendação Geral n. 33 sobre o acesso das mulheres à justiça do Comitê para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). 2015. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/8038814/recomendacao-geral-n33-comite-cedaw.pdf/21a63c54-e061-43c6-f5d4-88630e8f0265?version=1.0. Acesso em: 11 jun. 2023.

Palavras-chave

Medidas protetivas de urgência, Violência doméstica, Direitos humanos das Mulheres, Acesso à Justiça, Sistema eletrônico
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