Anais EnAJUS 2023

ISSN 2674-8401

O Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero - de Recomendação à Resolução: contexto de criação e desafios na sua implementação

Autoria: Jéssica Traguetto, Fernanda Busanello

Informações

Sessão 9 - 24/10/2023, 08:00
Mediação: Leonardo Oliveira (Universidade de Brasília)

Resumo

A Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável reconhece a desigualdade de gênero como uma ameaça à sustentabilidade (UN, 2015). Nessa mesma agenda, o objetivo 16 almeja por “Paz, Justiça e Instituições Eficazes”. Na confluência desses propósitos surgem algumas iniciativas do Poder Judiciário brasileiro.Em fevereiro de 2021, a Portaria CNJ n.27 instituiu o Grupo de Trabalho (GT) responsável pelo desenvolvimento do “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero”. A Resolução nº 492 aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tornou obrigatória a adoção do protocolo para todo o Poder Judiciário nacional.Na resposta da justiça criminal à violência de gênero contra mulheres, o judiciário desempenha um papel fundamental. É ele quem garante que as leis sejam interpretadas através das lentes de padrões e normas internacionais; que sejam efetivamente aplicadas; é responsável por proteger mulheres e meninas da violência, inclusive da recorrência da violência; responsabilizar os perpetradores; e fornecer reparações efetivas para as vítimas (UNODC, 2019). Nesse sentido, o presente estudo objetiva identificar o contexto de criação do “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero” e os desafios da sua implementação na perspectiva dos/as integrantes do Grupo de Trabalho (GT) instituído pelo CNJ. Considera-se também a relação entre o trabalho deste GT e a mudança institucional, neste caso a institucionalização de um protocolo que busca fornecer diretrizes à magistratura para julgar casos concretos considerando a perspectiva de gênero.Contrariando a tendência das instituições de se manterem inertes (Battilana et al., 2009), a mudança institucional pode acontecer quando há uma ruptura com as práticas institucionalizadas. A abordagem institucional, amplamente dominante no campo dos estudos organizacionais (Greenwood et al., 2008), reconhece isso e tradicionalmente se concentra na continuidade (Garud et al., 2007).A demanda por mudanças institucionais (Battilana et al., 2009) tem sido feita por membros de organizações e cidadãos em todo o mundo. Especificamente em questões de impacto social abrangente, como a desigualdade de gênero, essa demanda por mudança é ainda mais evidente.É de extrema importância destacar a relevância do presente tema de pesquisa a nível nacional e internacional. O protocolo brasileiro se baseou no “Protocolo para Juzgar con Perspectiva de Género”, criado pelo Estado do México por determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Nos Estados Unidos, em 1980, quando se iniciou o Programa Nacional de Educação Judicial (National Judicial Education Program - NJEP), o viés de gênero de juízes e advogados era um problema invisível (Schafran, 2000). Naquele ano, juízes, advogados e jornalistas experientes disseram ao NJEP que os juízes nunca reconheceriam que o preconceito de gênero era um problema em seus tribunais ou um assunto apropriado para educação judicial (Schafran, 2000).Na Conferência dos Estados Unidos sobre Confiança Pública e Confiança no Sistema de Justiça em maio de 1999, 500 juízes estaduais, administradores de tribunais estaduais, presidentes de advogados estaduais e outros líderes do sistema de justiça votaram para implementar as recomendações das forças-tarefa estaduais sobre gênero, raça e viés étnico nos tribunais são uma prioridade. De fato, apenas a existência dessas forças-tarefa, estabelecidas em resposta aos programas educacionais do NJEP, atesta a diferença que essas décadas fizeram (Schafran, 2000).Neste estudo, diversas fontes serão utilizadas para coletar os dados, incluindo dados secundários e dados primários. Os dados secundários serão obtidos por meio de pesquisa documental em periódicos, legislação, documentos internos e sites de tribunais, enquanto os dados primários serão coletados por meio de entrevistas semiestruturadas.As entrevistas serão feitas com participantes do Grupo de Trabalho (GT) instituído pela Portaria CNJ n.27 de fevereiro de 2021. Espera-se investigar de que maneira foi pensado o protocolo e os desafios em sua implementação.Buscou-se seguir a recomendação de Marshall e Rossman (1995) ao construir um argumento lógico que estabelecesse uma conexão entre o contexto específico da pesquisa e um conjunto mais amplo de questões teóricas e preocupações políticas.As entrevistas serão realizadas a partir de um roteiro semiestruturado com questões relacionadas ao trabalho do GT, estratégia, esforços de justificação e enquadramento, forma de angariar apoio social e mobilizar aliados, bem como dar sentido às próprios ações, dificuldades enfrentadas no desenvolvimento do trabalho e outros aspectos.Para auxiliar na organização, categorização e análise dos dados das entrevistas, será utilizado o software NVivo. Com o uso do NVivo, os pesquisadores podem aproveitar a capacidade do computador para gravar, classificar, combinar e vincular dados, auxiliando assim a responder suas perguntas de pesquisa. Isso é possível sem perder o acesso aos dados de origem e aos contextos nos quais esses dados foram obtidos (Bazeley & Jackson, 2013). Alguns dos recursos do software são gerenciar dados, gerenciar ideias, consultar dados, visualizar dados e relatar a partir dos dados (Bazeley & Jackson, 2013). Dessa forma, será possível categorizar os dados das entrevistas.A análise temática é uma ferramenta de pesquisa flexível e valiosa que permite obter uma compreensão rica e detalhada dos dados, embora também seja complexa (Braun & Clarke, 2006). Essa abordagem será utilizada para analisar os dados coletados nas entrevistas. Os temas, que representam padrões de resposta ou significado no conjunto de dados, capturam elementos relevantes sobre os dados em relação à questão de pesquisa (Braun & Clarke, 2006).O presente estudo contribui para um campo de conhecimento em desenvolvimento. Além de toda a relevância e atualidade das discussões relacionadas ao julgamento com perspectiva de gênero, nota-se que o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero ainda foi pouco explorado na academia. Em busca realizada no Portal de Periódicos da Capes, Google Acadêmico e nos repositórios de teses e dissertações, poucos são os trabalhos encontrados sobre essa temática.Além de sua contribuição teórica, esta pesquisa examina uma contribuição prática para o sistema de justiça. Os resultados da pesquisa podem ser úteis para subsidiar melhorias nas políticas públicas relacionadas à administração da justiça. 

Palavras-chave

gênero, Agenda 2030, mudança institucional
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