Anais EnAJUS 2023

ISSN 2674-8401

(RE)PENSANDO A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA COMO FORMA DE GARANTIR O EFETIVO ACESSO À JUSTIÇA

Autoria: Tiago Fontoura de Souza

Informações

Sessão 11 - 24/10/2023, 08:00
Mediação: Ana Carla Werneck (Administração da Justiça (AJUS))

Resumo

 Diante da expansão da judicialização devido à constitucionalização de direitos processuais pela Constituição Federal de 1988, que alçou o direito de acesso à justiça à categoria de direito fundamental, notou-se um incremento das demandas sob a responsabilidade do Poder Judiciário, levando à ineficiência e inefetividade da resposta estatal aos conflitos levados ao seu conhecimento. Nesse excesso de litígios analisados pelo Poder Judiciário, surgem inúmeras demandas que não teriam a mínima chance de êxito, por conterem pretensões contrárias à jurisprudência dominante sobre o tema – litígios frívolos ou inconsequentes –, mas que, mesmo assim, são ajuizadas em virtude da ausência de riscos a serem suportados pelos litigantes beneficiados com a assistência judiciária gratuita.  Diante deste contexto, a problemática que se apresenta é a seguinte: a concessão, de forma ampla, da assistência judiciária gratuita contribui para o surgimento de demandas inconsequentes? Verificada essa hipótese, quais os impactos da litigância frívola no acesso à justiça e que medidas podem ser adotadas para evitar a existência desta espécie de litígio?Como estratégia de pesquisa, será utilizada uma abordagem quantitativa por meio de estudo de caso, mediante a coleta de dados e análise documental, consistente em sentenças proferidas no âmbito da Justiça Federal de Santa Catarina, objetivando convalidar os dados e informações obtidos através de prévio levantamento bibliográfico sobre o tema.Acesso à justiça não é sinônimo de acesso ao Poder Judiciário. O seu conceito é mais amplo. O direito de acesso à justiça deve ser entendido como direito à uma ordem jurídica justa (PARIZZI, 2019, p. 30). O acesso ao Poder Judiciário, por sua vez, configura “[…] um direito meramente formal e com nítida adjetividade em relação à obtenção efetiva de justiça”. (TENENBLAT, 2011, p. 24).  Contudo, a par de toda essa discussão, o que o usuário do sistema de justiça deseja é o acesso ao seu direito e não o acesso ao Poder Judiciário, que se trata de mero instrumento à sua pretensão (GICO JR., 2014, p. 194). Como visto, acesso à justiça não se limita ao acesso ao Poder Judiciário, tornando-se até desejável que se pense em medidas que objetivem desestimular as resoluções de conflitos somente pela via judicial. O desenho institucional brasileiro foi moldado a partir da lógica de transferência dos custos do processo para a sociedade, permitindo que quem alega não possuir recursos financeiros tem o direito de litigar sem arcar com os respectivos custos. Nesse aspecto, a abordagem da análise econômica do direito se mostra relevante aos objetivos deste estudo, porque possui como característica precípua analisar o comportamento das partes, levando-se em conta que as normas e regras jurídicas trazem custos e benefícios aos usuários do sistema de justiça, os quais pautam as suas ações ou omissões a partir destes incentivos (GICO JR., 2014, p. 168). O sistema de justiça brasileiro tem permitido um acesso expandido das partes ao benefício da gratuidade de justiça. Os dados contidos no relatório da Justiça em números 2022 (ano base 2021), realizado pelo CNJ, ratificam essa afirmação, pois revelaram crescimento nos processos arquivados definitivamente com pedidos de assistência judiciária gratuita, entre os anos de 2015 a 2018, com redução dois anos seguintes e retomada da curva de crescimento em 2021. Assim, subsidiar os custos do conflito e transferi-los para a sociedade, embora se mostre necessária para garantir o acesso à justiça, por outro lado cria incentivos para as partes litigarem (PIMENTEL, 2019, p. 134). Essa transferência de custos gera incentivos para o acesso irresponsável ao Judiciário, como referido por Pimentel (2019, p. 132). Esse acesso irresponsável pode se dar por meio de litígios predatórios, do qual decorre como uma de suas espécies a litigância frívola, escopo deste estudo.  A litigância frívola caracteriza-se pela propositura de demandas que tenham a mínima probabilidade de êxito dos pedidos apresentados ao juiz, em total desconsideração aos custos inerentes ao processo judicial. O fenômeno da litigância frívola torna-se mais evidente diante das ações de massa, quando a questão jurídica já foi definida pela jurisprudência em sentido contrário à pretensão da parte (TENENBLAT, 2011, p. 29). Dentro desse cenário, o acesso à justiça fica comprometido pela ausência de filtros e de mecanismos de contenção de demandas inconsequentes/frívolas, afigurando-se mais benéfico às partes, ante a ausência de custos, entregar seus conflitos para serem solucionados por um terceiro, em detrimento de buscarem, por si próprias ou por meio de mecanismos de autocomposição, a solução das suas controvérsias. A litigância frívola também é um fenômemo presente na Justiça Federal. Por meio da análise de dados referentes às sentenças proferidas nas ações em que as partes buscam a alteração do índice de correção monetária na conta do FGTS, buscou-se validar a hipótese de que a ausência de critérios para a concessão de assistência judiciária gratuita permite a existência de ações sem possibilidade de êxito.Na coleta de dados, obtidos por meio de pesquisa de sentenças proferidas no âmbito da Justiça Federal de Santa Catarina, relativo ao período de 02 de dezembro de 2020 a 02 de dezembro de 2022, observou-se que ainda existem ações desta natureza, embora o STJ já tenha decidido em sentido contrário à pretensão dos autores destas demandas. Foram encontrados 8 (oito) sentenças com resultados para essa temática, sendo que todas essas demandas tiveram pedido de assistência judiciária gratuita. As ações foram ajuizadas por advogados diferentes, não se tratando, portanto, apenas de um profissional que não estava ciente da decisão do STJ. A pequena proporção de casos em período de 24 (vinte e quatro) meses se justifica em virtude da questão já se encontrar solvida pelo STJ e estar apenas aguardando posicionamento do STF. No entanto, apesar de já existir decisão de tribunal superior em recurso repetitivo, não foi suficiente para evitar a propositura de ações.Não se confundindo acesso ao Poder Judiciário com acesso à justiça, não se afigura incoerente e inviável a racionalização da gratuidade processual, limitando-se o seu uso apenas para aqueles que realmente necessitem do benefício, mediante o estabelecimento de critérios objetivos de avaliação da situação econômico-financeira do postulante. Para coibir abusos, o critério de renda a ser avaliado pelo juiz não pode expressar valor demasiado, a ponto de se deixar a porta excessivamente aberta para as demandas inconsequentes. Desse modo, a excessiva litigiosidade deve ser objeto de preocupação de todos os agentes políticos, devendo cada um atuar na sua esfera de atuação para conter esse demandismo pernicioso, e, nesse sentido, a expansão da assistência judiciária gratuita tem contribuído para esse cenário. Assim, reduzindo-se a amplitude da assistência judiciária gratuita gera-se incentivos para um uso racional do sistema judicial, o que contribui, em último caso, para o efetivo acesso à justiça.   

Palavras-chave

Acesso à justiça. Assistência judiciária gratuita. Litigância frívola. Análise econômica do direito. Sobreutilização do Poder Judiciário.
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