Anais EnAJUS 2022

ISSN 2674-8401

Justiça Restaurativa: Implementação do Projeto Além da Punição da Comarca de Goianésia-GO

Autoria: Aparecida Oliveira de Moraes Sousa, Jéssica Traguetto Silva, Flavio Manoel Coelho Borges Cardoso

Informações

Sessão presencial 17 - 25/10/2022, 16:30
Mediação: Bernardo Oliveira Buta (Fundação Getulio Vargas (FGV-EPPG))

Resumo

O crescimento da criminalidade no Brasil tem sido exponencial. Uma breve consulta à página do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada – IPEA, apenas sobre homicídios no Estado de Goiás pelo período de 2001 a 2019, observa-se a sua pontual ascensão. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes saltou de 22,81 para 32,10 (IPEA, 2021). Fato que corrobora para o progressivo aumento de processos judiciais na Vara da Justiça Criminal e favorece a morosidade da entrega da prestação jurisdicional à sociedade. Como a legislação penal brasileira adota o sistema retributivo, ou seja, uma conduta infracional gera ao praticante uma punição legal, a pena visa reprimir em proporção igual a reprovabilidade social da conduta delituosa praticada. Esse sistema utilizado no Brasil, segue os preceitos de Beccaria (2017), da pena proporcional ao crime. O excesso de litígios que abarrotam o Judiciário brasileiro aliado ao sistema penal vigente afeta o compromisso da instituição de promover a pacificação social. Sabidamente o sistema retributivo é insuficiente para promover a reeducação e reinserção social do apenado e proporcionar justiça às vítimas e segurança à sociedade (Carvalho & Achutti, 2021).Assim, a Justiça Restaurativa se apresenta como um novo paradigma de resolução de conflitos que se baseia no diálogo, na escuta e acolhimento das partes, que no âmbito do Tribunal de Justiça de Goiás tem sido utilizada em diferentes áreas, a partir do Decreto Judiciário no 1346 /2017, que a instituiu. Este artigo analisa a implementação da Justiça Restaurativa no contexto da Vara Criminal da comarca de Goianésia e o desenvolvimento e a aplicação do Projeto “Além da Punição”. A Justiça Restaurativa (JR) pode ser considerada uma via alternativa e complementar de sucesso em desenvolvimento no país. Ela não exclui a atuação do Poder Judiciário, mas sim, a complementa e a humaniza, pois se trata de um procedimento alternativo de resolução de conflitos que possui origem em práticas resolutivas de povos originários, no Canadá e os Maoris, na Nova Zelândia. Também, se apresenta como uma perspectiva distinta de confrontar as demandas sociais, principalmente na esfera penal, uma vez que se distancia da lógica punitiva, que possui um caráter retributivo, com foco na punição do sujeito proporcional à violação social causada, por uma lógica recuperadora com envolvimento das partes e foco no futuro com sustentáculo na obra de Howard Zehr “changing de lenses: A New Focus for Crime and Justice” (Camara, 2013). Para se atingir o objetivo desse trabalho foi realizado uma pesquisa exploratória-descritiva de natureza qualitativa. O objeto da pesquisa foi avaliar como deu a implementação da Justiça Restaurativa no contexto da Vara Criminal da comarca de Goianésia e o desenvolvimento e a aplicação do Projeto “Além da Punição”. A coleta de dados sobre o referido Projeto foi por meio de entrevista semiestruturada, com o coordenador do Núcleo da Justiça Restaurativa de Goianésia. A entrevista ocorreu em 02/12/2021, por meio remoto e teve duração de aproximadamente 45 minutos. A entrevista foi transcrita e analisada por meio de análise de conteúdo nas seguintes fases: primeiro foi realizada uma leitura exploratória para compreender a entrevista por completo; posteriormente a entrevista foi analisada em função de categorias; e finalmente, as categorias foram confrontadas com pontos da entrevista em que estavam relacionadas. As categorias que emergiram à posteriori foram: origem e motivação da implantação do projeto; objetivo; formação; relações interorganizacionais; metodologia de aplicação; início; crimes comumente tratados. Como resultados, o entrevistado aponta em sua fala inicial os motivos que ensejaram sua busca pela aplicação da justiça com ferramentas diferenciadas, o que levou a implantação da Justiça Restaurativa na comarca: [...] “o projeto além da punição nasceu da necessidade que eu sentia de ser capaz enquanto ator da justiça criminal de entregar, como o próprio nome já diz, algo além da punição. O decurso do tempo e a prática jurisdicional provocou a percepção que, por mais que haja esforços por parte dos atuantes na justiça criminal, e as metas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) são atendidas, eu sentia que não estava sendo eficiente, porque as pessoas não aparentavam sentir segurança, confiança na atuação da justiça, isso porque é muito comum ainda as pessoas dizerem que não dá em nada, a justiça colabora muito para o aumento da sensação de impunidade, diante da fala das pessoas, não só o acusado, as testemunhas e principalmente as vítimas, o impacto que era causado na vida dessas pessoas não era positivo”[...]. Este argumento valida a percepção sobre o sistema penal brasileiro por distintos pesquisadores, os quais reconhecem que a aplicação pura e simples desse sistema jurisdicional inviabiliza a compreensão da complexidade de fatos que contribuem para a prática delituosa e impõe um mecanismo de punição para a resolução de conflitos, que é insuficiente para reeducar o indivíduo e aprimorar o sistema de justiça (Carvalho & Achutti, 2021). Dado que houve uma ascensão da criminalidade e que a mera aplicação do direito penal produz um efeito diminuto na redução do crime e na ressocialização dos indivíduos que cometem infração (Pinto, 2011), o entrevistado confirma que “[...] as mazelas do sistema prisional são várias, poucas unidades prisionais, elas estão superlotadas, o apreendido geralmente é muito pobre, há muita carência no sistema” [...], impreterível se torna a implementação de mecanismo de aplicação da justiça que atenda a complexidade que se propõe os fatos. Segundo apontamento do CNJ em 2020, havia uma carência de 312.925 vagas e o país preenchia uma posição de destaque no ranking mundial de pessoas privadas de liberdade. O Brasil é a terceira nação com a maior população carcerária do mundo e ao findar dezembro de 2019 havia 755.274, com a capacidade de encarceramento superada em 170,74% (CEBRAP, 2021). Os resultados e discussão do artigo aprofundam a análise sobre o objetivo do projeto, a importância da formação ofertada pelo tribunal, as relações interorganizacionais fundamentais para a execução do projeto, a metodologia de execução do projeto, como se dá o início das atividades e os principais crimes comumente tratados.

Palavras-chave

Justiça Restaurativa, Projeto “Além da Punição”, resolução de conflitos.
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