Anais EnAJUS 2023
ISSN 2674-8401
A violência contra mulher e a atuação do Poder Judiciário: possibilidades de estudos
Autoria: Myrian Caldeira Sartori, Adalmir de Oliveira Gomes
Informações
Sessão 17 - 25/10/2023, 08:00
Mediação: Adalmir de Oliveira Gomes (Universidade de Brasília)
Resumo
A violência contra a mulher é um fenômeno complexo e multicausal, cujos fatores intervenientes envolvem questões históricas, culturais e relacionais. As propostas de intervenção voltadas para sua prevenção e enfrentamento devem considerar a intersecção existentes entre os diversos marcadores sociais: gênero, raça, etnia, vulnerabilidade socioeconômica, entre outros. Por isso, a atuação isolada de um único órgão ou instituição pode não ser suficiente para evitar a violência ou sua intensificação. (BANDEIRA, 2014) A publicação da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340) em 2006 evidenciou a necessidade de criar políticas públicas capazes de promover e fortalecer a integração dos atores da denominada Rede de Proteção às Mulheres. (CAMPOS, 2017) A Lei Maria da Penha estabeleceu especial papel ao Judiciário, sobretudo na figura dos Tribunais de Justiça estaduais, ao prever uma série de mecanismos e instrumentos judiciais direcionados à garantia da proteção às mulheres em situação de vítima e à responsabilização dos autores. Desde a publicação dessa Lei, tais mecanismos foram implementados e aprimorados no país, concretizados em regulamentações, projetos, atos administrativos e políticas públicas. (PASINATO, 2015) No entanto, os estudos voltados à atuação do Judiciário e seu desempenho na implementação de políticas públicas ainda são escassos, sobretudo se considerarmos as pesquisas empíricas. Apesar das inúmeras pesquisas realizadas sobre a implementação da Lei Maria da Penha, permanece o desafio da avaliação das propostas de intervenção e políticas públicas desenvolvidas com o intuito de garantir a proteção integral das mulheres. Diante disso, o presente ensaio tem como objetivo apresentar, a partir de conceitos e marcos teóricos, um conjunto de proposições de estudo que podem contribuir para o avanço do conhecimento em relação à violência contra mulher e a atuação do Judiciário. As proposições de estudo foram elaboradas conforme o percurso realizado pelas mulheres vítimas de violência, ou seja, desde o pedido de ajuda até a resposta oferecida na primeira instância do Poder Judiciário. O ensaio está organizado em três partes conforme este percurso: i) registro da ocorrência policial, b) atuação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres (JVDFM) no processamento e julgamento dos delitos, e c) mecanismos administrativos e judiciais que poderiam ser adotados para interromper a violência e prevenir sua reincidência. No texto completo, inicialmente, são apresentadas proposições de pesquisa que problematizem a dinâmica das relações permeadas pela violência de gênero e as barreiras encontradas para realizar o registro da ocorrência policial (BANDEIRA, 2014). Importante destacar neste aspecto os fatores que são considerados pelas mulheres ao decidirem tornar pública a violência sofrida e os equipamentos e políticas públicas que podem contribuir para diminuição das barreiras que a ela são impostas (CAMPOS, 2015). O estudo destas questões impacta na atuação do Poder Judiciário na medida em que não se pode desvincular a resposta judicial das motivações e questões sociais que provocaram a mobilização de seus recursos e estruturas administrativas e judiciais (BANDEIRA, 2014). Em um segundo momento, o ensaio apresenta possibilidades de pesquisas voltadas para a atuação dos JVDFM no processamento e julgamento dos delitos. Essa relação que se dá entre os juízos e as partes do processo é permeada por uma série de nebulosidades. Sendo assim, convém problematizar o impacto real das decisões e sentenças sobre a permanência ou rompimento da violência. Nesse sentido, o ensaio apresenta propostas de estudo voltadas para compreender a atuação dos Juizados na prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres, como, por exemplo, a influência da representação do juiz na dinâmica relacional, atuando (ou não) como fator de proteção para as mulheres nas negociações e nas decisões tomadas (CAMPOS, 2017). Essencial é considerar que a nomeação e os significados dados às violências dependem dos contextos e dos sujeitos envolvidos (ZANOTTA, 2010), cabendo problematizar o papel dos operadores de direito na percepção das vítimas quanto às experiências que vivenciaram. Além disso, tendo os Juizados o papel primordial de processar e julgar os crimes, convém avaliar se de fato essa resposta atende as partes e se corresponde às expectativas presentes no momento do registro da ocorrência. Essas questões estão intimamente relacionadas às especificidades da violência doméstica e familiar contra as mulheres, podendo, portanto, a produção de conhecimento sobre o tema direcionar a elaboração de políticas judiciárias adequadas aos anseios e necessidades sociais. Por fim, a última seção do ensaio busca apresentar propostas relacionadas aos mecanismos administrativos e judiciais que poderiam ser adotados pelos JVDFM para interromper a violência e prevenir sua reincidência. Esta seção final tem como objetivo apresentar propostas que sejam efetivas e que contribuam para os fatores de sucesso das políticas públicas, de modo a aumentar a chance de causalidade entre a implementação da política e o atingimento do objetivo ao qual ela se propõe alcançar. Referências BANDEIRA, Lourdes Maria. Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Revista Sociedade e Estado. Volume 29. Número 2. Maio/Agosto 2014. CAMPOS, Carmen Hein de. Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático. Revista Brasileira de Segurança Pública. São Paulo v. 11, n. 1, 10-22, Fev/Mar 2017. CAMPOS, Carmen Hein de. A CPMI da violência contra a mulher e a implementação da Lei Maria da Penha. Estudos Feministas, Florianópolis, 23(2). maio/agosto 2015. PASINATO, Wânia. Acesso à Justiça e violência doméstica e familiar contra as mulheres: as percepções dos operadores jurídicos e os limites para a aplicação da Lei Maria da Penha. Revista Direito GV, São Paulo 11(2) jul/dez 2015. MACHADO, Lia Zanotta. Antropologia e feminismo diante da violência. In: MACHADO, Lia Zanotta. Feminismo em movimento. 2ed. São Paulo: Editora Francis, 2010.
Palavras-chave
Violência contra a mulher; Poder Judiciário; Lei Maria da Penha; Administração JudiciáriaPDF Todos os trabalhos desta edição