Anais EnAJUS 2023
ISSN 2674-8401
AS GARANTIAS PROCESSUAIS PENAIS DA PESSOA DO ACUSADO E A JUSTIÇA 4.0.
Autoria: TATIANA SOCOLOSKI PERAZZO PAZ DE MELO
Informações
Sessão 19 - 25/10/2023, 08:00
Mediação: Luciano Athayde Chaves (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Resumo
No início da década de 1980 o sistema de justiça brasileiro caminhava a passos lentos para a modernidade, com rasa experiência no âmbito da tecnologia. Profissionais e acadêmicos de direito foram testemunhas de um longo período em que trabalhar em prol da justiça significava trabalhar com fichários onde eram inseridas as movimentações realizadas em cada processo, com idas diárias aos fóruns, pesquisas de jurisprudências em livros físicos, presenças constantes em bibliotecas, uso de máquinas de escrever manuais acompanhadas de papéis carbono e corretivos, que só dificultavam e atrasavam as atividades profissionais no meio jurídico. Naquela época, decisões judiciais eram escritas nos processos (totalmente físicos) à mão enquanto as audiências eram todas presenciais. Esta era a realidade da Justiça brasileira, que por sua vez era totalmente destoante da realidade de outros países mais avançados como os Estados Unidos da América (EUA), onde computadores e audiências remotas, por exemplo, já eram utilizados. No final daquela década, uma nova Constituição foi promulgada no Brasil. A Constituição cidadã, nome através do qual também ficou conhecida. Com característica reconhecidamente progressista, a Carta maior da nação brasileira de 1988 representou o fim de um longo período não democrático da história política brasileira, prevendo uma série de garantias e direitos individuais, políticos e sociais que viriam alavancar a atividade jurisdicional dali em diante. O Brasil ainda não sabia, porém nada mais seria como antes. A nova ordem trouxe uma gama de direitos fundamentais, dilargou as atribuições do Ministério Público, fez emergir a Defensoria Pública e abriu espaço para novos institutos jurídicos como os direitos coletivos, difusos e individuais homogênios, por meio da codificação dos direitos do consumidor. Novas demandas foram sendo ajuizadas, numa quantidade e a uma velocidade jamais vistas; e foram se avolumando em um Poder Judiciário que, por sua vez, mesmo se tendo notícias da revolução tecnológica fora do território brasileiro, pouco se falava sobre o assunto, vindo a adentrar no século XXI com sua reputação em cheque, sendo acusado de ser um Poder atrasado, lento, caro e muito complexo, além de extremamente formalista. Imerso em dificuldades, eis que surge por meio da Emenda Constitucional n.º 45/2004 o Conselho Nacional da Justiça (CNJ), órgão do Poder Judiciário criado exatamente com o propósito de aperfeiçoar os tribunais e ampliar o acesso à justiça, por meio do planejamento de políticas públicas voltadas à implementação de instrumentos para melhoria da gestão e modernização de sua estrutura. Daí em diante, o juiz brasileiro, que até então exercia uma única função, a jurisdição, passou a ser responsável também pela administração de suas unidades. Nasce assim o juiz-gestor. Palavras até então desconhecidas como produtividade, resultado e êxito, passam a fazer parte do seu cotidiano, assim como outras que eram dominadas apenas por administradores: eficiência, eficácia e efetividade. Contudo, a justiça brasileira continuou imersa em grandes dificuldades e sendo muito criticada. Ao final da década de 2010, o Relatório Justiça em Números – 2020, do CNJ, destacou que o Poder Judiciário brasileiro encerrou o ano de 2019 com uma despesa superior a 100 bilhões de reais (R$479,00 por pessoa, aproximadamente), uma taxa de congestão de 68,5% e com 77,1 milhões de processos em tramitação, avolumando-se nos escaninhos da justiça brasileira. Nesta época o processo eletrônico já vinha sendo implementado como instrumento importante para a despressurização do sistema judicial brasileiro e cujo projeto já era executado há pelo menos 10 anos. Além dele, inúmeros profissionais do direito (advogados, juízes e promotores) espalhados pelo Brasil também já discutiam e implementavam modelos que englobavam outras tecnologias como as audiências online. Tudo para viabilizar uma justiça mais célere, barata e menos formal, ou seja, mais acessível. Todavia, eis que surge a covid-19 e com ela o isolamento social, um fenômeno então desconhecido pelas gerações atuais. Milhões de pessoas foram submetidas a um regime radical de afastamento social. Com o Poder Judiciário não foi diferente; mas como o serviço prestado pela justiça brasileira era essencial e precisava continuar, o processo de virtualização foi acelerado. No início de 2021 o próprio CNJ criou o programa Justiça 4.0 e, com ele, prevendo a criação dos juízos 100% digitais e os balcões virtuais. Todavia, em que pese os avanços para a eficiência e acessibilidade do sistema de justiça, algumas realidades, dada a urgência da sua implantação, deixaram de ser testadas antes de serem utilizadas, como aquelas relacionadas ao processo penal. Acontece que o processo penal está envolto por princípios e garantias constitucionais que controlam o poder punitivo e por isso exigem certo esforço da justiça penal, o que não ocorre com outros ramos do direito, especialmente por tratar de um dos bens mais preciosos para o ser humano, a liberdade. Isto posto, algumas pesquisas realizadas ao redor do mundo lardearam a importância da verificação destes novos instrumentos tecnológicos no âmbito do processo penal e sua adequação ao sistema de garantias desenhado nas Constituições, e mais especialmente dois princípios de grande relevância: o acesso à justiça penal para as pessoas acusadas de terem cometido algum delito e o direito destas à ampla defesa, principais armas contra as arbitrariedades. Assim, interessado em investigar o impacto da tecnologia sobre o processo penal brasileiro e os direitos e garantias constitucionais das pessoas acusadas, o presente trabalho pretende, através da revisão bibliográfica, análise de dados e pesquisas empíricas, verificar o contexto da utilização dos instrumentos tecnológicos no processo penal brasileiro, antes e durante a pandemia da Covid-19 e compreender se de fato os tribunais online preconizados ainda na década de 1990 pelo professor estadunidense Richard Susskind já são uma realidade aqui no Brasil e qual a sua implicação para a pessoa do acusado e seus direitos e garantias fundamentais.
Palavras-chave
JUSTIÇA DIGITAL, TECNOLOGIA, PROCESSO PENAL, AUDIÊNCIAS ONLINE GARANTIAS PROCESSUAIS.PDF Todos os trabalhos desta edição