Anais EnAJUS 2023
ISSN 2674-8401
Judicialização no Brasil e na Europa: uma Comparação com Base em Números
Autoria: Caio Castelliano de Vasconcelos
Informações
Sessão 23 - 25/10/2023, 14:00
Mediação: Caio Castelliano de Vasconcelos (Universidade Brasília)
Resumo
Em comparação com outros países, o Poder Judiciário brasileiro é caro e lento (Da Ros, 2015; Castelliano e Guimaraes, 2023). Uma das explicações para esse problema pode estar no nível de judicialização no Brasil. Muitos fatores parecem direcionar a resolução de disputas para a via judicial, como o elevado número de advogados em território nacional (Da Ros e Taylor, 2019), a concessão quase universal de assistência judiciária gratuita (Arake e Gico, 2014) e o alto volume de execuções fiscais, que representaram 15% dos novos processos no país em 2021 (CNJ, 2022).Embora a literatura trate de vários motivos pelos quais o nível de litigiosidade no Brasil possa ser alto, não foi identificado um trabalho empírico que quantifique essa litigiosidade, comparando-a com a de outros países. Este trabalho tem por objetivo ajudar a preencher essa lacuna de pesquisa, respondendo de forma objetiva às seguintes perguntas: Qual é exatamente o nível de judicialização no Brasil? Esse nível pode ser considerado alto ou baixo em comparação com outros países? Para isso, o primeiro passo da pesquisa foi auferir o nível de judicialização no Brasil. A pesquisa teve foco em processos cíveis e considerou a base de dados eletrônica do Justiça em Números, disponibilizada publicamente pelo Conselho Nacional de Justiça. A seleção de casos cíveis aplicou os critérios utilizados na Europa, definidos pela Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça - CEPEJ, de modo a permitir uma comparação dos números com o de países daquele continente. Sendo assim, foram selecionados casos em tribunais estaduais e trabalhistas, tanto na fase de conhecimento quanto na de execução. No caso da Justiça Estadual, foram incluídos casos da Justiça Comum e da Justiça Especial, excluindo-se em ambas os processos criminais e de execução fiscal. Identificou-se que o nível de judicialização de casos cíveis no Brasil é de 5,7 casos a cada 100 habitantes na primeira instância e de 1,4 casos a cada 100 habitantes na segunda instância. Tais números, olhados de forma isolada de outros países, significam pouco. Daí a necessidade de se realizar uma comparação internacional. Dessa maneira, esses índices foram contratados com os de países europeus. O CEPEJ, órgão da União Europeia responsável por acompanhar o funcionamento dos sistemas legais nos países do bloco, realiza um levantamento bianual em relação a diversas métricas de desempenho. Um das métricas é a quantidade de disputas cíveis ajuizadas (CEPEJ, 2022).Na primeira instância, a média europeia é de pouco mais de 2 processos ajuizados a cada 100 habitantes. Portanto, a taxa brasileira, de aproximadamente 6 processos ajuizados por 100 habitantes, é quase três vezes superior à média na Europa. E mais, é uma taxa superior a quase todos os países pesquisados. Exceto a Romênia (6,2), todos os 40 países Europeus possuem um nível de judicialização cível na primeira instância inferior ao nível brasileiro. Mesmo países com tradição no direito romano-germânico, seguida no Brasil, possuem níveis de judicialização bem mais baixo, como é o caso da Espanha (2,6), de Portugal (2,5), da Itália (1,9) e da França (1,6).Na segunda instância, a judicialização no Brasil se mostra ainda mais elevada, quando comparada à judicialização nos sistemas judiciais do velho continente, cuja média é de 0,4 processos a cada 100 habitantes. Em outras palavras, a judicialização no Brasil, na segunda instância, de 1,4 casos a cada 100 habitantes, é quase quatro vezes maior que na Europa. Nesta instância, o Brasil tem nível de judicialização superior ao de todos os países da Europa, exceto Sérvia (2,0) e Montenegro (1,5). O Brasil, mais uma vez, ganha de todos os países com tradição romano germânica, como é o caso da Espanha (0,3), da França (0,2), de Portugal e da Itália (ambos com 1,5).O estudo conclui, com base na comparação internacional feita, que o nível de judicialização de disputas cíveis no Brasil é bastante superior ao de quase todos os países pesquisados, o que pode ser um fator explicativo importante para a morosidade no país. Desta conclusão decorre a sugestão de que o acesso à Justiça no Brasil deve focar em vias alterativas de solução de conflitos, além do Poder Judiciário, como soluções privadas ou extrajudiciais. No curto prazo, a promoção de vias alternativas pode suprir uma demanda reprimida por acesso à Justiça que o Poder Judiciário não é capaz de atender atualmente. No médio-longo prazos, espera-se que os caminhos alterativos sejam capazes de fazer com que os níveis de judicialização no Brasil desçam a patamares internacionais, fazendo com o sistema judicial se torne mais ágil e menos oneroso para a sociedade Brasileira. ReferênciasArake, H.; Gico, I. T., Jr. (2014). De Graça, até injeção na testa: análise juseconômica da gratuidade de Justiça/If it's free then it's for me: The law & economics of waiver of fees. Economic Analysis of Law Review, 5(1), 166.Castelliano, C., e Guimaraes, T. A. (2023). Court disposition time in Brazil and in European countries. Revista Direito GV, 19.Conselho Nacional de Justiça (2022). Relatório Justiça em Números 2022: Ano-base 2021. Brasília, DF: Autor.Da Ros, L. (2015). O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória. Newsletter do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, 2(9), 1-15.Da Ros, L.; Taylor, M. M. (2019). Juízes eficientes, judiciário ineficiente no Brasil pós-1988. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 89 (3), 1-31. DOI: 1017666/bib8903/2019.The European Commission for the Efficiency of Justice – CEPEJ (2022). European Judicial Systems–2022 Evaluation Cycle (2020 Data): efficiency and quality of Justice. Strasbourg, France: Council of Europe.
Palavras-chave
Palavras-chave: Judicialização, Brasil, Europa, Acesso à Justiça, Meios Alternativos.PDF Todos os trabalhos desta edição