Anais EnAJUS 2023
ISSN 2674-8401
O Programa Paz no Lar e o Combate Efetivo à Violência Doméstica
Autoria: Cesar Morel Alcântara, Janayna Marques de Oliveira, Marcos Antônio dos Santos Silva
Informações
Sessão 21 - 25/10/2023, 14:00
Mediação: Adalmir de Oliveira Gomes (Universidade de Brasília)
Resumo
O projeto paz no lar teve início no dia 12 de junho de 2015, e nasceu diante da necessidade de prover atendimento efetivo e diferenciado para o contexto de violência doméstica, sobretudo em favor das vítimas. Não há dúvidas que o Estado se encontra em dívida histórica com gênero feminino, pois as mulheres só obtiveram a maioria dos direitos civis no século XXI, com o advento do atual Código Civil de 2002 (CC/02). Fruto dessa cultura patriarcal, tem-se que a violência doméstica e familiar contra a mulher é estrutural na nossa sociedade, e atravessa milhares de lares todos os dias. Outrossim, cada conflito possui um universo de sentidos e significados à parte, o que torna a confecção de estratégias de enfrentamento um desafio para a gestão judiciária. Nessa moldura, o projeto tem por finalidade o acompanhamento integral da vítima na jornada processual, desde o primeiro momento em que procura o sistema de justiça até o desaparecimento da situação de risco. Outrossim, deve-se pontuar que as premissas do projeto estão devidamente alinhadas com a agenda 2030 da ONU. Mais especificamente, os objetivos de desenvolvimento sustentáveis n. 5 e n. 16, respectivamente, promoção da igualdade de gênero e promoção da paz, justiça e instituições eficazes, se revelam nas bases fundantes do projeto. Indene de dúvidas que a eficácia da Lei Maria da Penha depende de uma atuação proativa dos operadores do direito, justamente por se caracterizar como uma espécie de violência diferente, seja pelo ambiente onde é praticada, seja pelos atores envolvidos nesse processo. Os pressupostos básicos do projeto são: 1 - o reconhecimento que a Lei Maria da Penha se traduz em legislação de cunho protetivo; 2 - necessidade de aproximação entre o Poder Judiciário e sociedade. Com efeito, exige-se assim prontidão dos atores do sistema de justiça, pois o não decidir no tempo e com as informações de ordem prática, ocasiona, não raras vezes, a ocorrência do instituto da prescrição, e consequente impunidade. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa, mediante efetiva participação das partes no processo decisório de convencimento do magistrado. Exige-se, portanto, uma nova postura mental. Deve-se pensar a atuação da justiça na perspectiva do usuário do sistema, ou seja, temos que definir, de uma vez por todas, qual espécie de experiência queremos fornecer às vítimas de violência doméstica quando buscam apoio do sistema de justiça. Para tanto, é preciso garantir um espaço livre de fala para as mulheres, plasmado num acompanhamento regular das vítimas e dos agressores, uma vez que o deferimento de um pleito nem sempre é suficiente. A ideia principal é atender as vítimas com base em um modelo de acolhimento capaz de assegurar, na prática, e para além da letra e do formalismo da decisão judicial, o cumprimento integral e prático das medidas protetivas e das decisões proferidas no contexto da violência doméstica. Tem-se dois grandes eixos de atuação: a) visitas às casas das vítimas de violência b) acompanhamento dos agressores. Como grande e principal ferramenta do projeto, temos a visita na casa das vítimas por uma equipe composta de guardas municipais, policiais militares, servidores, e, pelo menos, uma vez ao mês, a presença do próprio magistrado. Garantir ao usuário do sistema de justiça, no caso, à vítima de violência doméstica, uma experiência completa de atenção e cuidado, modelado em uma simples e, ao mesmo tempo, enorme VISITA, em um momento delicado de suas vidas. Mencionada visita possui como principais objetivos: a) a oitiva empática da mulher pelo juiz do processo, sem qualquer tipo de julgamento ou preconceito; b) entender os detalhes do contexto familiar de modo a definir a predição de risco do agressor (para fins de balizar os limites da decisão judicial); c) entregar, de pronto, e sem demoras, todas as políticas públicas oferecidas pelo Estado por meio da rede de proteção, além da oferta de capacitação e emprego por meio de convênio previamente firmados com entidades público-privadas. Assim, a grande inovação do projeto se revela na inversão da ordem de procura, a saber, um judiciário em saída, com equipe trabalhando ativamente na busca da identificação e tratamento das vulnerabilidades das vítimas de violência doméstica. E, ao mesmo tempo, garantindo a inserção do agressor em programas de reabilitação, rodas de reflexão, tudo a indicar a quebra do tradicional paradigma do distanciamento da Justiça e da sociedade. De fato, olhar no olho, entender os detalhes da complexa moldura fática dos laços familiares, dos sentimentos por trás de cada ação, são atos fundamentais para compreensão de indicadores essenciais para construção de uma decisão judicial compatível com cada caso. Eis o maior propósito. Entregar uma nova vida para a vítima, acolhendo-a e fortalecendo-a, entregando meios concretos para sair do ciclo de violência, tais como: a) capacitação; b) empregabilidade; c) passe livre em transportes públicos coletivos; d) cestas básicas; e) prioridade na matrícula de filhos em creches; f) tratamento psicológico, incluindo filhos. De outro modo, o atendimento ao agressor revela preocupação não apenas com um caso específico, mas com uma mudança de cultura e mentalidade. Pois, para além de informar ao agressor as consequências de eventual descumprimento das medidas protetivas, o trabalho de psicólogos e assistentes buscará, como prioridade, fazer o agente compreender que seu comportamento não se encontra compatível com a legislação pátria e os diretos humanos.A ideia é justamente fomentar e jogar luzes nesse debate, revelar ao agressor que seu comportamento é inaceitável. Buscar, através de rodas de reflexão, descobrir as raízes psicológicas responsáveis pelo comportamento abusivo, de modo a transformar a visão do homem em relação à mulher, realizando ainda tratamentos que se mostrarem imprescindíveis, principalmente dependência de álcool e drogas. Até março de 2023 já foram realizadas 2570 visitas, 225 Atendimentos Psicológicos, 851 cestas básicas foram doadas Referências:Cappelletti, M., & Garth, B. (2015). Acesso à justiça (E. G. Northfleet, Trad.). Porto Alegre: Fabris.de Mello, A. R., & de Meira Lima Paiva, L. (2019). Lei Maria da Penha na Prática. São Paulo: Revista dos Tribunais.Watanabe, K. (2021). Acesso à justiça e sociedade moderna. In Participação e processo. São Paulo: Revista dos tribunais
Palavras-chave
Violência Doméstica, Justiça, PazPDF Todos os trabalhos desta edição