Anais EnAJUS 2023

ISSN 2674-8401

Voids institucionais: pontos chave para a coordenação entre regulação e justiça no novo marco do saneamento

Autoria: Carolina Wünsch Marcelino, Samir Adamoglu de Oliveira

Informações

Sessão 13 - 24/10/2023, 16:30
Mediação: Olívia Alves Gomes Pessoa (Universidade Positivo)

Resumo

 O Brasil é visto como mercado emergente e determinados setores econômicos, como o do saneamento, são entendidos como áreas propensas à ampliação dos investimentos e ao estímulo ao desenvolvimento socioeconômico (BRASIL, 2023). Khanna e Palepu (2010), ao proporem  o estudo seminal sobre institutional voids, discorrem sobre algumas consequências – inclusive indesejadas- quando nações em desenvolvimento decidem implementar leis e normas para mudar a regra do jogo de mercados para os quais se deseja ampliar a concorrência e o acesso a direitos sociais subjacentes. Essas novas regras e oportunidades podem, de fato, atrair uma nova gama de players para esses setores econômicos, gerando, por sua vez, o aumento das demandas por regulação, mudanças nas prioridades de governo e novas pressões institucionais (Carney et al., 2012). O desequilíbrio entre essas demandas e a capacidade regulatória pode elevar o ativismo judicial e pressionar para maior intervenção das organizações da Administração da Justiça (Bugarin & Meneguin, 2015) na solução dos eminentes litígios.Assim, é possível – e muito provável – que entre as consequências estejam desdobramentos sobre o próprio papel do estado, em particular quando a estrutura da Administração Pública está em certo “governamental size” estipulado para comportar o modelo de estado do bem-estar social (Ute Stephan, 2015) .Essas lacunas insurgentes ou agravadas pelas mudanças de regras, que por vezes fogem à intenção primeira da lei ou mesmo às projeções de desenvolvimento, são entendidas como institutional voids e afetam diretamente a efetividade da implementação de uma norma. Os voids tendem a recrudescer quando os arranjos institucionais apresentam regulação ausente, fraca ou fragmentada (Mair e Marti, 2009), reconhecendo-se, portanto, uma relação entre enforcement e voids institucionais.Note-se que o conceito de institutional voids não se aplica meramente para explicar imperfeições ou disfuncionalidades do mercado, mas possibilita congregar aspectos institucionais e intersubjetivos das mudanças nas regras do jogo, abrangendo Estado, Justiça, organizações e cidadãos. Nas organizações envolvidas, os voids podem transparecer pela sua estrutura de legalização (Sitkin, Bies, 1993). Consonante ao fenômeno de “rule of law” (Carney et al., 2009; Khanna & Rivkin, 2001), a legalização é indicativa das mudanças estruturais implementadas para dar conta da normatização e formalização da lei nas organizações, mediador analítico indireto para a própria efetividade do enforcement (Ute Stephan, 2015). No seio social, os voids institucionais tendem a irromper quando há maior ativismo social,  vez que os mercados em abertura implicam modificações no acesso a direitos de bem-estar humano, questões que eventualmente serão pacificadas apenas em decisões da justiça.Nesse artigo empírico, defendemos que o novo marco do saneamento (Lei n. 14026/20) e alterações por ele previstas no campo organizacional constituem tema frutífero para discussão dos institutional voids – tanto do ponto de vista das organizações do saneamento, tanto para debatermos o binômico regulação e justiça e a participação do Estado nesse entremeio. Com esse cenário em mente, pretendemos responder à seguinte questão: quais mecanismos socio legais identificados no marco do saneamento evidenciam/acirram a existência de voids institucionais no campo organizacional em análise?Para construção dessa resposta, coletamos corpus de dados primários e secundários. Os primários foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas com dirigentes de quatro empresas de saneamento nacionais e com representante de organização da sociedade civil. A coleta ocorreu entre maio e novembro de 2022. Os dados secundários são oriundos de pesquisa documental, em especial de material jurídico abrangendo desde o projeto de lei que embasou o marco legal até a recente edição de decreto de flexibilização (Decreto n. 11.467/2023). Os dados foram submetidos à análise de conteúdo, atribuídos a categorias analíticas definidas à luz do estudo seminal de Khanna and Palepu (2010). A classificação por categoria consiste em identificar voids com base em condições descritas pelos entrevistados sobre o campo organizacional versus disposições do marco do saneamento. Os pontos entendidos como dissonâncias foram classificados como possíveis lacunas, que podem configurar: voids estrutural, voids contigencial (Rodrigues, 2013) ou void híbrido, aqui nominado como void de coordenação entre formalização e regulação.Como resultado, debatemos os seguintes pontos: (i) a aprovação do marco se deu em condições insuficientes de regulação, tendo em vista a falta de padrões de operação para as agências reguladoras com potencial para saturação dos entes da justiça, o que pode ser visto como um void estrutural (ii) as desigualdades sociais do saneamento no Brasil são mais do que uma imperfeição de mercado a qual poderia ser mitigada por um modelo simplório de atuação em livre mercado, o que constitui um void contigencial (iii) as organizações contratantes (os municípios) também apresentam perfis bastante heterogêneos, de forma que os voids geram pobre coordenação entre a formalização e a regulação do ponto de vista da legalização dessas entidades – void de coordenação.A título de discussão, entendemos que a identificação das lacunas institucionais possui condão prático, tendo em vista que os voids tendem a figurar como pano de fundo de normas regulatórias e litígios, tendo em vista incertezas e ambiguidades legais. A coordenação entre regulação e Poder Judiciário pode adotar tom moderado e complementar, capaz de ampliar o bem-estar social. Lado outro, a necessidade de intervenção judicial exacerbada pode acarretar ao disvirtuamento do propósito de ampliação saneamento e pode inclusive restringir o papel da regulação. (Bugarin & Meneguin, 2015).REFERÊNCIAS:Bugarin, M. S., & Meneguin, F. B. (2015). Regulação Ótima e a Atuação do Judiciário: uma Aplicação de Teoria dos Jogos. Economic Analysis of Law Review, 6(1), 91-114.Ge, J., Carney, M., & Kellermanns, F. (2019). Who fills institutional voids? Entrepreneurs’ utilization of political and family ties in emerging markets. Entrepreneurship Theory and Practice, 43(6), 1124-1147. Khanna, T., & Rivkin, J. W. (2001). Estimating the performance effects of business groups in emerging markets. Strategic management journal, 22(1), 45-74.Khanna, T., & Palepu, K. G. (2010). Winning in emerging markets: A road map for strategy and execution. Harvard Business Press.Mair, J., & Marti, I. (2009). Entrepreneurship in and around institutional voids: A case study from Bangladesh. Journal of business venturing, 24(5), 419-435. Novo Marco Legal do Saneamento permitiu atração de R$ 72,2 bilhões em investimentos para o setor. (2022, 31 de outubro). Serviços e Informações do Brasil. https://www.gov.br/pt-br/noticias/transito-e-transportes/2022/03/novo-marco-legal-do-saneamento-permitiu-atracao-de-r-72-2-bilhoes-em-investimentos-para-o-setorRodrigues, S. (2013). Understanding the environments of emerging markets: the social costs of institutional voids. Doh, J., Rodrigues, S., Saka-Helmhout, A., & Makhija, M. (2017). International business responses to institutional voids. Journal of International Business Studies, 48, 293-307.Sitkin, S. B., & Bies, R. J. (1993). The legalistic organization: Definitions, dimensions, and dilemmas. Organization Science, 4(3), 345-351.Stephan, U., Uhlaner, L. M., & Stride, C. (2015). Institutions and social entrepreneurship: The role of institutional voids, institutional support, and institutional configurations. Journal of International Business Studies, 46, 308-331.   

Palavras-chave

Voids institucionais, marco do saneamento, regulação, legalização de organizações
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