Anais EnAJUS 2024

ISSN 2674-8401

A Aplicação do ANPP ao Tráfico Privilegiado no Judiciário Cearense: Perspectivas e Impactos

Autoria: Maria Heloísa Nogueira da Silva Alves, Cláudia Aparecida Ribeiro do Nascimento, Nestor Eduardo Araruna Santiago

Informações

Sessão 24 - 27/11/2024, 14:00
Mediação: Pedro Miguel Alves Ribeiro Correia (Direção-Geral da Política de Justiça, Ministério da Justiça de Portugal)

Resumo

 IntroduçãoObjetiva-se no presente trabalho verificar qual tem sido o posicionamento do Poder Judiciário de primeira e segunda instâncias do Estado do Ceará acerca do uso do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) nos casos penais relacionados ao tráfico de drogas privilegiado. Pretende-se apurar quais os benefícios decorrentes de uma eventual maior aplicação do ANPP neste tipo penal, considerada sua recorrência nos processos em curso no estado. O ANPP surgiu no processo penal pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19), constituindo uma via diversa - ou uma alternativa penal - para aqueles que, sendo ainda primários, cometeram delitos com pena mínima não superior a 4 (quatro) anos, considerando, para sua aplicação, as eventuais causas de aumento e de diminuição de pena aplicáveis ao caso concreto (§1o do art. 28-A do CPP). O crime de tráfico de drogas, tipificado no artigo 33 da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), é um dos delitos de maior recorrência em tramitação no judiciário de diversos Estados, dentre eles o Ceará (Ceará, 2024). Em sua modalidade comum, prevista no caput do art. 33 da Lei de Drogas, não há possibilidade de oferecimento do ANPP, vez que a pena mínima é de 5 (cinco) anos de reclusão.Contudo, em sua modalidade privilegiada (§4o do artigo 33 da Lei n. 11.343/2006), é possível constatar a permissão para que, reconhecida essa hipótese, em havendo pena prevista no mínimo legal para o tráfico, haveria a possibilidade, ao menos do ponto de vista objetivo, para a realização do ANPP. Para saber qual é o posicionamento do Poder Judiciário cearense sobre o tema - aplicação de ANPP aos casos de tráfico privilegiado - foi feita uma pesquisa no buscador de julgados do primeiro grau no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, observando-se as sentenças proferidas. Utilizou-se como parâmetro o período entre a entrada em vigor do Pacote Anticrime (janeiro de 2020) e 30 de abril de 2024. Os termos utilizados foram “ANPP” e “Tráfico privilegiado”, no campo “Pesquisa livre” filtrados pela Classe “Processo Penal”, o que resultou em 23 (vinte e três) decisões. No segundo grau, averiguou-se eventual modificação na sentença quanto à classificação do delito e requerimento de proposta de ANPP. Através do mesmo parâmetro temporal, delimitou-se no buscador de jurisprudência do TJCE os mesmos termos de busca (“ANPP” e “TRÁFICO PRIVILEGIADO”) na aba “pesquisa livre”, filtrados pela classe “Apelação Criminal” e ‘Embargos de declaração” (em apelação) obtendo-se 10 (dez) acórdãos. Essas decisões foram catalogadas em uma planilha e, em seguida, foram criados gráficos a partir dos parâmetros de pertinência para a temática, ou seja, relação com o tema central, deferimento ou não da propositura de Acordo de não persecução penal ao caso e justificativa do (des)acolhimento. Desenvolvimento1. A percepção do tráfico privilegiado enquanto enquadrado nas hipóteses de ANPP: É possível negociar? A comprovação de que o caso concreto permita a redução da pena tradicionalmente imposta ao crime de tráfico envolve a produção probatória; entretanto, a possibilidade de ANPP contribui para impedir os efeitos nefastos decorrentes da aplicação da pena com relação a acusados primários, normalmente jovens, pobres e pretos, evitando o enfrentamento de um sistema carcerário superlotado, como é o caso do existente no estado do Ceará. Em julgamento de 2023, o STJ, ao apreciar o Habeas Corpus 822.447-GO, afirmou ser possível o oferecimento do ANPP em crimes de tráfico privilegiado. Isto porque, reconhecida a aplicação da referida minorante, com patamares abstratos de pena dentro do limite de 4 anos para a pena mínima, o acusado tem direito à possibilidade do acordo, mesmo se o Parquet tiver descrito os fatos na denúncia de maneira imperfeita, pois o excesso de acusação não deve prejudicar o acusado. 2- A aplicação do ANPP ao tráfico privilegiado: análise dos posicionamentos e fundamentações no Poder Judiciário do Estado do Ceará A partir da análise quantitativa de decisões judiciais em processos penais de conhecimento no primeiro grau, foram apurados 123 decisórios, dispostos em planilha e analisados a partir desta quanto a seu conteúdo. Foram catalogadas decisões de primeiro grau em todo o estado do Ceará, bem como verificação de eventual recurso interposto no segundo grau.Dentre os 23 processos analisados, em 30,43% deles (7 processos) foram condenados pela modalidade privilegiada de tráfico. Nos processos em que se reconheceu a atenuante do artigo 33 §4º da Lei de Drogas, em somente 8,70% (dois processos) houve acolhimento da propositura de ANPP. Na grande maioria dos processos, o ANPP é discutido em razão de requerimento da defesa (65,22% -15 processos). A fundamentação que predomina nas manifestações do Ministério Público e dos magistrados para desacolher o acordo é a de que o réu não cumpre um ou mais requisitos do artigo 28-A do CPP, a fim de que o ANPP seja celebrado. No segundo grau, apurados 10 acórdãos, predominou a manutenção da sentença condenatória. A principal causa de negativa do ANPP seria a de conformidade com os tribunais superiores, sendo o acordo possível apenas até a condenação. Apenas em um processo (0124357-46.2019.8.06.0001) houve determinação de vista dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça para análise de eventual proposta de ANPP. Considerações Finais A análise do arcabouço jurisprudencial do TJCE reflete um contexto geral de resistência quanto à propositura de ANPP aos casos de tráfico privilegiado. Na grande maioria dos casos analisados, o magistrado ou o próprio Parquet se mostram refratários à negociação, haja vista a argumentação de necessidade do maior lastro probatório ou inadequação do momento processual, bem como inefetividade do ANPP como reprimenda. Conclui-se que a mudança de posicionamento do Poder Judiciário cearense a médio e longo prazo se faz necessária para que essa conduta possa ser adotada de forma mais ampla e unificada pelo Ministério Público, provocando um menor impacto da punibilidade e seus efeitos sobre aqueles que estão em seu primeiro contato com o sistema penal. Referências BRASIL. STF (1ª Turma). HC 236969 MS. 28 de fevereiro de 2024. Disponível em:< https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=true&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&page=1&pageSize=10&queryString=%20236969&sort=_score&sortBy=desc>. Acesso em 04 abr. 2024 BRASIL. STJ. (5ª Turma). HC 822.947 GO. Reconhecido tráfico privilegiado, direito ao ANPP. evitando excessos na acusação. 27 de junho de 2023. Disponível em:< https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=202301580600>. Acesso em 05 abr. 2024 CEARÁ. Aumento de 63,7% nas apreensões de entorpecentes. Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social. Ceará. 17 de mar. de 2024. Disponível em: https://www.policiacivil.ce.gov.br/2024/04/17/ceara-encerra-marco-de-2024-com-aumento-de-637-nas-apreensoes-de-entorpecentes/. Acesso em 04 abr. 2024  TRENNEPOHL, Anna Karina O. V. O acordo de não persecução penal e o crime de trafica de entorpecentes em sua forma privilegiada como o caminho para se evitar a ausência de consequências punitivas. Revista do CNMP. Brasília, 10ª ed., 2022, p. 271 - 296. 

Palavras-chave

Acordo de Não persecução penal (ANPP), Tráfico privilegiado, Ministério Público, Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE).
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