Anais EnAJUS 2024

ISSN 2674-8401

A IA nos Tribunais sob o signo da tutela jurisdicional efetiva: algumas notas à luz do contexto português

Autoria: Ricardo Pedro

Informações

Sessão 17 - 27/11/2024, 10:00
Mediação: José Marcelo Maia Nogueira (Tribunal de Justiça do Estado do Ceará)

Resumo

I.A consideração do uso de Inteligência Artificial (IA) nos Tribunais deve ser conforme ao standardjurídico imposto pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva. Esta asserção, que se crê de fácil aceitação num Estado de Direito, não deixa de levantar questões jurídicas e práticas relevantes. A questão que propomos tratar neste estudo é a de o uso de IA poder ser justificado por várias dimensões que o princípio da tutela jurisdicional efetiva comporta, desde logo, por um lado, direito de acesso a uma decisão judicial em prazo razoável e, por outro, o direito a um processo equitativo e, por isso, do seu relacionamento. Vejamos mais de perto a questão em discussão. A principal razão para a admissão do uso de IA nos Tribunais parece ser a relativa à sua potencial melhoria da eficiência dos Tribunais, que, numa linguagem e narrativa jurídica/judicial comum, se revela no apoio ao cumprimento do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, enquanto direito fundamental da administração da justiça (Pedro, 2011, 33 e ss), ou seja, é, sobretudo, nesta dimensão do princípio da tutela jurisdicional efetiva que se concentram as vantagens do uso de IA nos Tribunais. A estas vantagens estão associados riscos no uso de IA pelos Tribunais, sendo o principal o incumprimento do direito a um processo equitativo, nas várias dimensões que este comporta, desde logo, na garantia de defesa, na igualdade de armas e, em particular, na garantia processual de não discriminação de uma das partes do processo, na transparência processual, etc. (Colomer, 2023).O sumariamente referido permite perceber que ao assentar a discussão nos dois pilares do princípio da tutela jurisdicional efetiva, por um lado, o direito a uma decisão judicial a um prazo razoável, enquanto fundamento para a admissão da IA nos Tribunais e, por outro, o direito a um processo equitativo, enquanto garante de dimensões processuais várias que imponham um processo justo, se tende a impor um juízo de ponderação dos direitos fundamentais em consideração. De todo o modo, o referido contexto, está, por um lado, dependente da aptidão da IA para apoiar efetivamente a atividade dos Tribunais, reduzindo a morosidade judicial e, por outro, depende de cada sistema de IA em causa e do seu impacto negativo a nível das garantias processuais imposta pelo direito a um processo equitativo. Ou seja, dada a amplitude dimensional do princípio da tutela jurisdicional efetiva, a consideração do uso da IA pelos Tribunais, tende a impor juízos de ponderação, eventualmente, de geometria variável em função do nível do standardgarantístico que o decisor público entenda considerar e que as dimensões do processo equitativo podem ou não comportar.A questão jurídica sumariada deve ser compreendida no contexto que de imediato se refere. II.A passagem do processo judicial eletrónico (Oliveira, et al,2023) para a consideração do uso de IA pelos Tribunais é entendida em razão do maior desenvolvimento tecnológico aplicado à administração da justiça - Smart-JusticeouInteligência Jurídica Artificial (Simón Castellano, 2022, p. 41 e ss) -, isto é, a providenciada pelo uso de IA na área da Justiça. São sobretudo razões de eficiência judicial que tendem a justificar o uso de IA pelos Tribunais, desde logo, (i) o potencial de analisar grandes volumes de dados jurídicos, identificando padrões e precedentes relevantes para fundamentar decisões judiciais, podendo contribuir para uma maior consistência e uniformidade nas sentenças; (ii) o auxílio na identificação de fraudes e na deteção de padrões criminais, permitindo que sejam tomadas medidas preventivas e de investigação mais eficazes; (iii) a ajuda a superar barreiras de acesso à justiça, podendo os chatbotse assistentes virtuais fornecer orientações básicas aos cidadãos, esclarecendo dúvidas jurídicas e facilitando o acesso a informações legais relevantes (Pedro, 2023). III.Apesar de o uso de sistemas de IA no exercício da administração da justiça pública não ser isento de (muitas) dúvidas, sobretudo à medida que se pretende que tais sistemas visem substituir a atividade reservada ao juiz (humano) – uma “jurisdição/justiça inteligente” (Pedro, 2023a, 54 e ss), a verdade é que não é de recusar o uso de IA em tarefas auxiliares dos Tribunais.Assim, sobretudo, no espectro geográfico europeu, com impacto direto nos vários Estados-Membros, é de destacar o Regulamento Inteligência Artificial (RIA).O RIA assenta numa abordagem de riscos. A ideia de risco na administração da justiça deve, à luz do referido supra(I), ser entendida como risco de vulnerar alguma das dimensões do direito a um processo equitativo. É de destacar que determinados sistemas de IA concebidos para a administração da justiça devem ser classificados como de risco elevado, tendo em conta o seu impacto potencialmente significativo na democracia, no Estado de direito e nas liberdades individuais, bem como no direito à ação e a um tribunal imparcial. Para fazer face aos riscos de potenciais enviesamentos, erros e opacidade, o RIA classifica como de risco elevado os sistemas de IA concebidos para auxiliar as autoridades judiciárias na investigação e na interpretação de factos e do direito e na aplicação da lei a um conjunto específico de factos; assim já não acontecendo para os sistemas de IA concebidos para atividades administrativas puramente auxiliares que não afetam a administração efetiva da justiça em casos individuais, como a anonimização ou a pseudonimização de decisões judiciais, documentos ou dados, comunicações entre pessoal, tarefas administrativas ou afetação de recursos.  BIBLIOGRAFIA Gómez Colomer, J.-L. (2023). El juez-robot: la independencia judicial en peligro. Valencia: Tirant lo Blanch. Oliveira, A. M., Pedro, R., Correia, P. M. A. R., & Lunardi, F. C. (2023). An overview of the Portuguese electronic jurisdictional administrative procedure. Laws, 12(5), 84. http://dx.doi.org/10.3390/laws12050084Pedro, R. (2011). Contributo para o estudo da responsabilidade civil extracontratual do Estado por violação do direito a uma decisão em prazo razoável ou sem dilações indevidas. Portugal: AAFDL.Pedro, R. (2023). Justiça inteligente, danos e responsabilidade civil. In Anais - Enajus 2023. Brasil.Pedro, R. (2023a). Inteligência Artificial e Arbitragem de Direito Público: Primeiras Reflexões. In R. Pedro & P. Caliendo (Coords.), Inteligência Artificial no Contexto do Direito Público: Portugal e Brasil (pp. 105-127). Lisboa: Almedina.RIA - Resolução legislativa do Parlamento Europeu, de 13 de março de 2024, sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras harmonizadas em matéria de inteligência artificial (Regulamento Inteligência Artificial) e altera determinados atos legislativos da união (COM(2021)0206 – C9-0146/2021 – 2021/0106(COD)), disponível em: - https://www.europarl.europa.eu/RegistreWeb/search/simpleSearchHome.htm?references=P9_TA(2024)0138&sortAndOrder=DATE_DOCU_DESCSimon Castellano, P. (2022). La prisión algorítmica prevención, reinserción social y tutela de derechos fundamentales en el paradigma de los centros penitenciarios inteligentes. Valencia: Tirant lo Blanch.

Palavras-chave

Inteligência Artificial, Tribunais, Tutela Jurisdicional Efectiva
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