Anais EnAJUS 2024
ISSN 2674-8401
Acesso à Justiça na Região Amazônica de Fronteira: Desafios da População Indígena
Autoria: José Gomes de Araújo Filho, Fabrício Castagna Lunardi, Luiza Vieira Sá de Figueiredo
Menção honrosa - Categoria Trabalho empírico
Informações
Sessão 28 - 28/11/2024, 09:00
Mediação: Tomás de Aquino Guimarães (Universidade de Brasília)
Resumo
O presente artigo trata do acesso à justiça e dos desafios vivenciados comunidades indígenas situadas em região amazônica e de fronteira. O acesso à justiça no Brasil não se restringe apenas ao acesso ao Poder Judiciário, mas a uma ordem jurídica justa da qual fazem parte diversas instituições que compõem o sistema de justiça (Watanabe, 1998). O acesso à justiça é tema que vem ganhando cada vez maior protagonismo (Torlig; Gomes & Lunardi, 2023), dada a sua significativa importância como direito fundamental (Cappelletti & Garth, 1988). No entanto, mesmo com o aumento das pesquisas sobre o assunto, há poucos estudos voltados à sua aplicabilidade em locais isolados (Moares, Lunardi & Correia, 2024), como na floresta amazônica brasileira em região fronteiriça. Assim, o presente estudo tem o objetivo de investigar o acesso aos serviços judiciais na região amazônica de fronteira por comunidades indígenas, a partir da identificação das barreiras e dos facilitadores desse acesso. As metodologias utilizadas foram, inicialmente, a revisão de literatura e, após, estudo de caso em comunidade indígena, com levantamento de dados, observação participante e grupo focal com líderes dessa comunidade. A população indígena da Amazônia enfrenta significativos obstáculos no acesso à justiça, que compreendem: distâncias geográficas; infraestrutura precária; barreiras linguísticas e culturais; desigualdade de poder e influência política; e conscientização jurídica deficiente (Moares, Lunardi & Correia, 2024). A estrutura deficitária e as vastas distâncias entre as aldeias e as sedes dos municípios na Amazônia dificultam o acesso à justiça pelas comunidades indígenas, sobretudo as localizadas em região de fronteira. Os percursos, quase sempre pela via fluvial, são complexos e exigem dos indígenas grande esforço para uma viagem que pode levar dias em embarcações limitadas e inseguras (Moares, Lunardi & Correia, 2024). A localização de aldeias indígenas em faixa de fronteira é uma barreira adicional ao acesso à justiça dessas populações, considerando que as diferentes jurisdições e soberania dos países vizinhos dificultam a implementação de políticas públicas e à própria proteção dos direitos indígenas. Nesse contexto, a movimentação transfronteiriça sem qualquer tipo de controle pode levar a problemas legais, em razão das diferentes legislações e costumes das nações (Figueiredo, 2013). No contexto geopolítico e jurídico, é fundamental distinguir entre os conceitos de faixa de fronteira e linha de fronteira. A linha de fronteira refere-se à linha imaginária ou demarcada que delimita os territórios de dois estados soberanos, representando o limite territorial e de jurisdição entre esses países. Ela é definida por tratados e acordos internacionais e pode ser delimitada por marcos físicos no terreno. Em contraste, a faixa de fronteira é uma região geográfica mais ampla que se estende para o interior a partir da linha de fronteira, abrangendo uma zona de segurança e de interesse estratégico, podendo variar em largura conforme a legislação de cada país (Figueiredo, 2013). A marginalização histórica dos povos indígenas perpetua ainda um cenário de desigualdade social e baixa influência política para obtenção de recursos e direitos fundamentais junto às autoridades locais. Aliado a isso, a falta de conhecimento sobre direitos e procedimentos jurídicos por parte dos indígenas impede que esses indivíduos busquem a justiça de maneira eficaz (Moares, Lunardi & Correia, 2024). Nesse cenário de inúmeras complexidades, a presente pesquisa também aborda os desafios enfrentados pelo Poder Judiciário na Amazônia, em áreas com significativa deficiência estrutural, marcada pela presença de inúmeros desafios enfrentados pela população indígena que habita a região fronteiriça. Após a revisão de literatura, foi realizado um estudo de caso em uma aldeia indígena da etnia Waiwai, localizada no território indígena Trombetas/Mapuera, fronteira com a Guiana, no município de Oriximiná, no Pará. A pesquisa empírica está dividida em duas etapas: i) a primeira consistente no levantamento de dados a partir de fontes oficiais, a fim de analisar o contexto dessas populações; ii) a segunda, na observação participante e na realização de um grupo focal com lideranças indígenas da etnia Waiwai que residem no território indígena Trombetas/Mapuera, área de fronteira com a Guiana. O grupo focal foi realizado na Grande Aldeia Mapuera, situada a cerca de 2 dias de navegação fluvial da sede do município de Oriximiná. A aldeia possui uma população estimada de 2.000 habitantes, sendo uma das mais povoadas da região norte do Brasil. Os resultados mostram que os desafios enfrentados pelo Poder Judiciário e demais órgãos que compõem o sistema de justiça junto à população indígena fronteiriça estão relacionados às seguintes barreiras: 1) étnicas, em face do preconceito resultante da marginalização histórica dos povos indígenas no Brasil; 2) geográficas, ante as significativas dificuldades de locomoção dos indígenas à sede do município; 3) ausência do poder público, resultando na falta de segurança e maior isolamento da comunidade indígena, dificultando o acesso a recursos e oportunidades; 4) tecnológicas, em face da baixa inclusão digital da comunidade, reduzindo consideravelmente o acesso à serviços públicos, que em sua grande maioria já são oferecidos virtualmente. Por outro lado, os principais facilitadores do acesso à justiça são: 1) governança local, cujo objetivo visa promover a atuação em rede dos órgãos locais para atendimento à população indígena; 2) ações de justiça itinerante, com foco na humanização da prestação jurisdicional e estreitamento dos laços entre o Poder Judiciário e a população indígena; 3) governança digital, através da criação de pontos de inclusão digital para garantia do pleno exercício da cidadania aos indígenas em situação de isolamento. A prestação jurisdicional humanizada também deve ser um dos principais objetivos do Judiciário nessas áreas, priorizando técnicas e ferramentas de gestão para minimizar os problemas relacionados à precariedade do acesso à justiça pelos mais necessitados (Pereira, Correia & Lunardi, 2022). Os resultados são discutidos no final do estudo. Referências:CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (1988). Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie. Northfleet. Sérgio Antônio Fabris Editor.FIGUEIREDO, Luiza Vieira Sá de (2013). Direitos sociais e políticas públicas transfronteiriças: a fronteira Brasil-Paraguai e Brasil-Bolívia. CRV.MORAES, Beatriz Fruet; Lunardi, Fabrício Castagna; Correia, Pedro Miguel Alves Ribeiro (2024). Digital Access to Judicial Services in the Brazilian Amazon: Barriers and Potential. Social Sciences, 13 (2), 1-17.PEREIRA, Sandra Patrícia Marques; CORREIA, Pedro Miguel Alves Ribeiro; LUNARDI, Fabrício Castagna (2022). Administração e governança pós-burocrática em Portugal: o caso do Plano Justiça Mais Próxima 2023. Humanidades & Inovação, 9, 135-143.TORLIG, Eloísa; GOMES, Adalmir; LUNARDI, Fabrício Castagna (2023). Acesso à justiça: um guia epistemológico para pesquisas futuras. Lex Humana, 15 (3), 205-224.WATANABE, Kazuo (1988). Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coord.). Participação e processo. Revista dos Tribunais, 128-135.
Palavras-chave
Administração da Justiça, Acesso à Justiça, Região Amazônica, Fronteira, Comunidades Indígenas.PDF Todos os trabalhos desta edição