Anais EnAJUS 2024
ISSN 2674-8401
Empoderamento Feminino e Governança Interinstitucional: reimaginando o serviço público no combate ao feminicídio
Autoria: João Paulo Braga Cavalcante, Geovani Jacó de Freitas, Francisca Ilnar de Sousa, Flavianne Damasceno Maia
Informações
Sessão 09 - 26/11/2024, 16:00
Mediação: Daniela Lustoza Marques de Souza Chaves (TRT da 21ª Região)
Resumo
O presente artigo aborda a persistente e alarmante incidência de feminicídios no Brasil, destacando a necessidade de uma gestão de risco mais eficaz e integrada, conforme propõe o Modelo Sophia. Este modelo visa utilizar avanços tecnológicos e de governança para superar as deficiências do atual sistema jurídico e administrativo no enfrentamento da violência contra a mulher. Embora o Brasil possua uma legislação avançada, como a Lei Maria da Penha (LMP) e a Lei do Feminicídio, a aplicação prática dessas leis continua sendo ineficaz devido à burocracia e ao machismo institucionalizado.Desde a criação da LMP em 2006, o Brasil tem enfrentado desafios significativos na implementação de políticas eficazes de proteção à mulher. A falta de integração entre os diversos órgãos responsáveis, a complexidade burocrática e a lentidão no processamento das medidas protetivas são alguns dos principais obstáculos. Em 2023, o Brasil registrou o maior número de feminicídios desde o início das estatísticas, refletindo a urgência de mudanças estruturais e procedimentais.A proposta do Modelo Sophia é desenvolver um protocolo único de combate ao feminicídio, centrado na desburocratização e na integração das ações entre diferentes entes públicos, como polícia, Ministério Público, Defensoria Pública e Judiciário. A implementação de uma medida protetiva eletrônica de urgência (e-MEPU), que utiliza algoritmos de avaliação de risco e comunicação síncrona entre os órgãos, é uma das principais inovações deste modelo. A e-MEPU visa eliminar a necessidade de papelada e formalidades burocráticas, permitindo uma resposta mais rápida e eficiente às situações de risco.Além da e-MEPU, o Modelo Sophia propõe a capacitação contínua dos profissionais envolvidos, uso de inteligência artificial para análise de risco, e uma abordagem mais ágil e responsiva para proteger as vítimas em tempo hábil. Este modelo também enfatiza a importância de um atendimento presencial por unidades táticas compostas por profissionais habilitados, garantindo que as medidas protetivas concedidas sejam efetivamente implementadas.O Modelo Sophia é sustentado por bases teóricas como a teoria do valor público de Mark Moore, o princípio da precaução tratado nos estudos de Pierobom sobre a LMP, e teorias da Escola de Chicago. A proposta também se alinha às recomendações da CEDAW 2015 das Nações Unidas e aos dispositivos da LMP, buscando materializar as recomendações internacionais e fazer cumprir a LMP a partir de precedentes jurisprudenciais.A implementação de um sistema de e-Justiça, que representa uma evolução dos atuais formulários eletrônicos de solicitação de medidas protetivas de urgência, é fundamental para o sucesso do Modelo Sophia. Este sistema deve ser capaz de integrar e garantir a comunicação síncrona de pontuação de risco e recomendações mínimas a serem adotadas entre os organismos estatais envolvidos na atuação em matéria de LMP. Além disso, o modelo propõe a criação de uma rede integrada de instituições do sistema de justiça e de segurança pública, interligadas por um artefato tecnológico que evite negligência, imprudência e imperícia.No contexto onde o país vivencia uma onda de feminicídios, desde que o tipo de crime foi tipificado em 2015, é papel do Estado garantir os direitos humanos às mulheres, tornando-as mais capazes de fazer valer seus direitos no instante em que acionam os órgãos públicos. Para que isso ocorra, é necessário romper a barreira da burocracia, que dificulta a comunicação eficiente e qualificada dentro do sistema de justiça e entre este e o sistema de segurança pública.Em síntese, o Modelo Sophia cria o precedente da medida protetiva de urgência como um autosserviço, em que a e-MEPU transmite o grau de risco de forma simultânea para todas as partes interessadas que atuam em LMP. Atrela à e-MEPU o atendimento presencial de unidade tática composta por profissionais habilitados, fazendo com que as medidas protetivas concedidas deixem de ser apenas um papel. Institui como obrigatoriedade a Audiência de Justificação, passando o agressor a sentir em curto espaço de tempo a presença do Estado.O artigo destaca que as decisões nesta política antifeminicídio são claramente mais ágeis, pois a e-MEPU fornece um pré-teste de risco a nível psicológico, facilitando o trabalho de peritos psicólogos e psiquiatras credenciados ao agilizar os laudos. Isso permite que um agressor em estado emocional claramente alterado seja encaminhado para o tratamento adequado, o que já está disposto em Lei, mas que em muitas partes do país, a burocracia não permite acompanhar com a urgência e atenção que o contexto de risco requer.Vale destacar ainda que em muitas situações que resultaram em crimes brutais, sequer teria sido necessário uma e-MEPU para um desfecho diferente. Bastaria apenas que a autoridade competente tivesse agido de acordo com a Lei, sido proativa ou sensível à questão da ofendida. Por esta razão, os elementos acima que orquestram o Modelo Sophia são decisivos para uma política antifemincídio baseada na gestão de risco.Diante dos riscos à própria vida e à dignidade humana, em uma sociedade marcada pelo machismo, não cabe mais ao Estado deixar as mulheres à mercê das circunstâncias materiais e da postura pessoal de burocratas¹. Em conclusão, o combate ao feminicídio não é apenas uma questão de gestão ou tecnologia, mas uma luta política por direitos humanos e dignidade, que deve ser travada no âmago da burocracia.¹ A este respeito, é bastante positivo a pesquisa divulgada na matéria do GZH Grupo de Investigação, e que vai ao encontro dos pontos críticos aqui alertados, sobretudo a necessidade urgente de uniformização e simplificação de procedimentos em política antifeminicídio. A investigação jornalística apontou falhas em recolhimento de armas e dificuldade de fiscalização, levando à morte de quase 20% de mulheres no RS que tinham medida protetiva. “Nem todas as indagações puderam ser esclarecidas. Mas nos deparamos com alguns pontos centrais: a descrença na palavra da vítima, armas de fogo que não foram recolhidas mesmo depois de as mulheres terem sinalizado a existência delas, a dificuldade na fiscalização das medidas — dependendo de a mulher denunciar o descumprimento — e agressores que não foram presos, mesmo após descumprirem a ordem, além dos gargalos da rede de proteção”. Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/grupo-de-investigacao/noticia/2023/06/por-que-a-medida-protetiva-naoimpediu- o-feminicidio-de-21-mulheres-cliaiua3u006q016xj5d1wdvd.html. Acesso em 11/05/24.
Palavras-chave
Lei Maria da Penha; Feminicídio; Governança, e-GovPDF Todos os trabalhos desta edição