Anais EnAJUS 2024
ISSN 2674-8401
Fraude às cotas eleitorais como obstáculo para uma instituição política eficaz
Autoria: Giovana Costa Leiros Dias, Luciano Athayde Chaves
Informações
Sessão 20 - 27/11/2024, 10:00
Mediação: Karla Sousa da Motta (Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região)
Resumo
A violência política de gênero não é um fenômeno novo, visto que suas raízes remontam o início do patriarcado, isto é, antes da criação da propriedade privada, mas apenas recentemente passou a ser objeto de estudo e pauta de reivindicações (Lerner, 2019). Ressalta-se que é uma forma de violência contra a mulher, pois busca minar os direitos das mulheres de participação na esfera pública, não apenas por serem mulheres, mas porque ocupar o espaço público rompe com a expectativa patriarcal de submissão feminina e a violência emerge como meio de confinar a mulher ao espaço privado (Albaine, 2017).No cenário brasieiro, é uma prática que fere o princípio constitucional da igualdade, ameaça a efetivação da democracia e fragiliza as instituições de poder (Araújo, 2022; Silva & Campos, 2020). Outrossim, percebe-se que o Rio Grande do Norte desponta na questão da representatividade feminina na política, visto que foi onde a primeira mulher pôde votar em 1927. A professora Celina Guimarães Viana conseguiu seu título eleitoral após muita articulação política. Também foi onde a primeira prefeita foi eleita na América Latina: Alzira Soriano assumiu o município de Lajes em 1928, quatro anos antes do voto feminino ser permitido em todo o país (TSE Mulheres, 2024). Entretanto, ainda que o Estado tenha sido palco de tantos avanços, não foi alcançada paridade de gênero na política, de forma que são necessárias políticas afirmativas para alcançar esta meta. Nesse sentido, as cotas de gênero, implementadas em 1995, são uma das principais tentativas de diminuir a desigualdade de gênero na política, contudo, há quase 30 anos essa medida foi implantada e não houve um aumento expressivo do número de mulheres eleitas, o Brasil está na posição 133° de acordo com o ranking da União Interparlamentar, que analisou a participação feminina no parlamento de 190 países (IPU Parline, 2024). Ao procurar os motivos pelos quais as cotas não estão sendo efetivas encontra-se a fraude, além da falta de incentivo, jornada dupla de trabalho imputado às mulheres por razões de gênero e outras formas de violência como fatores que mitigam a efetividade desse mecanismo e, por conseguinte, impedem a efetivação da democracia (Araújo, 2022; Silva & Campos, 2020). Na letra da Lei de Cotas, art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, há o percentual mínimo e máximo que deve ser preenchido sem especificar o gênero, mas sabe-se que há um predomínio de candidaturas masculinas e que o alvo da política afirmativa é a mulher, entretanto, quando os partidos optam por falsificar as candidaturas femininas apenas para validar as masculinas invés de investir verdadeiramente nas candidatas, há a manutenção da subrepresentatividade. Desta feita, a fraude às cotas se configura como violência política de gênero, tendo em vista que obstaculiza a entrada e permanência feminina no âmbito político, ainda, faz-se necessário ressaltar que a violência política de gênero possui intersecções com o racismo e o elitismo, de forma que mulheres pobres e pretas sofrem mais agressões e ocupam menos espaços de poder (Araújo, 2022), embora não seja esse o recorte temático do presente trabalho.Esta pesquisa debruça-se sobre a análise do julgamento do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, TRE-RN, nos casos de fraude à cota de gênero, a fim de entender como esse tribunal responde. Para tanto, a primeira sessão do trabalho discorre sobre a divisão de gênero entre espaço público e privado, elucidando como foi negado o acesso da mulher ao primeiro, a segunda parte trata sobre a fraude às cotas, na qual há a análise dos julgados a partir da Metodologia de Análise de Decisões (MAD) de Roberto Freitas Filho e Thalita Lima (2010).A pesquisa é descritiva de caráter empírico e abordagem documental, a partir da Metodologia de Análise de Decisões (Freitas Filho & Lima, 2010), o recorte institucional emergiu da lacuna percebida durante a primeira etapa do método, ou seja, a partir da pesquisa exploratória percebeu-se a falta de pesquisa sobre o entendimento dos tribunais estaduais e RN é relevante pelo seu histórico de protagonismo. No decorrer do levantamento de dados, foi observado se a fraude foi considerada procedente ou não e os motivos para tal, para tanto, foram analisados 97 decisões, entre os quais Recursos Eleitorais, AIJE e AIME, oriundos do site de jurisprudência do TRE-RN a partir da busca do termo “fraude” associado a “cota de gênero” pelo operador “AND”, durante o período de 18/04/2023 a 26/09/2016, pois foi toda a amostra disponibilizada pelo portal.Os resultados parciais da pesquisa demonstram que o TRE-RN não considerou nenhum caso de fraude às casos como procedente, após a análise de todas as decisões encontradas, verificou-se que o tribunal acompanhou o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) conforme o leading case Recurso Especial Eleitoral N° 193-92/PI (2019), ou seja, entende-se que uma candidata ter votação zerada, não realizar gastos eleitorais nem realizar atos de campanha configuram apenas indícios de fraude, pois é necessário uma prova “robusta” e inequívoca do intuito de burlar a lei de cotas para a procedência da acusação. Por conseguinte, na ausência de certeza, aplica-se o princípio in dubio pro sufragio, visto que a punição é tida como muito gravosa e não cabe à seara eleitoral atribuir valor a conjecturas, assume-se que houve uma desistência tácita. Referências Albaine, L. 2017. Contra la violencia política de género en América Latina: Las oportunidades de acción. In 9º Congresso Latino Americano de Ciência Política. (p.1-25). Montevideu, Uruguai. Recuperado de https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/6754 Araújo, G. S. S. (2022). VIOLÊNCIA POLÍTICA DE GÊNERO E LAWFARE NO BRASIL. In Ramina L. (Org.). Lawfare e América Latina: a guerra jurídica no contexto da guerra híbrida. (p. 581-604). Curitiba: Íthala. Recuperado de https://www.ithala.com.br/wp-content/uploads/2022/03/ebook-mulheres-no-direito-internacional-volume-2-larissa-ramina.pdf Freitas Filho, R. & Lima, T. M. (2010). Metodologia de Análise de Decisões - MAD. Univ. JUS, (21), 1-17. Recuperado dehttps://www.rel.uniceub.br/jus/article/viewFile/1206/1149 IPU Parline. (2024, 02 de abril). Monthly ranking of women in national parliaments. Genebra. Recuperado de https://data.ipu.org/women-ranking/?date_month=4&date_year=2024 Lerner, Gerda. (2019). A criação do patriarcado: história da opressão das mulheres pelos homens. São Paulo: Cultrix. Recurso Especial Eleitoral N° 193-92/PI. (2019, 17 de setembro). Relator: Ministro Jorge Mussi - Tribunal Superior Eleitoral. Recuperado de https://mpmt.mp.br/site/storage/webdisco/arquivos/Respe%2019392%20Candidaturas%20fict%C3%ADcias.pdf Silva, T. J. C., & Campos, M. M. C. (2020). COTAS ELEITORAIS DE GÊNERO NO BRASIL: ONTEM, “AZUL E ROSA”; HOJE, “LARANJA”?. Caderno De Graduação - Ciências Humanas E Sociais, 6(2), 177. Recuperado de https://periodicos.set.edu.br/cadernohumanas/article/view/8878 TSE Mulheres. (2024). História: Linha do Tempo. Brasília. Recuperado de https://www.justicaeleitoral.jus.br/tse-mulheres/#historia
Palavras-chave
Cota eleitoral de gênero; Fraude eleitoral; Violência política de gêneroPDF Todos os trabalhos desta edição