Anais EnAJUS 2024
ISSN 2674-8401
Justiça Descentralizada: O Posto Avançado da Justiça do Trabalho na Região Administrativa Norte de Natal/RN
Autoria: Luciano Athayde Chaves, Maria Fernanda de Araújo Duda
Informações
Sessão 26 - 28/11/2024, 09:00
Mediação: Fabricio Castagna Lunardi (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios)
Resumo
Justiça Descentralizada: O Posto Avançado da Justiça do Trabalho na Região Administrativa Norte de Natal/RN O acesso à justiça é um direito fundamental previsto no inciso XXXV, artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, marcado por barreiras na sua efetivação ao longo do tempo. Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1998), ao debruçarem-se sobre os obstáculos econômicos, sociais e culturais que permeiam a questão, propuseram reformas ao sistema jurídico como “ondas de acesso à justiça”, dentre as quais subsiste a necessidade de inovações por parte das instituições públicas - como a criação de novos locais para a solução de conflitos - que visem tornar o sistema mais acessível e eficiente. No Brasil, tal inovação pode ser materializada na atuação da Justiça Itinerante, modalidade de prestação jurisdicional que visa levar o Judiciário a comunidades distantes, rurais ou urbanas, que possuem dificuldade de acessar os serviços judiciais tradicionalmente centralizados em uma única localidade. Em sua obra “Para uma Revolução Democrática da Justiça” (2007), Boaventura Santos defende esse modelo de organização judiciária como uma forma eficaz de combater as desigualdades estruturais que impedem certos grupos de acessar a justiça, fomentando uma cidadania mais participativa. Neste enfoque, atentando para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) - Agenda 2030, dentre os quais destaca-se a necessidade de proporcionar o acesso à justiça para todos, o presente trabalho analisa a criação do Posto Avançado da Justiça do Trabalho (PAJT-ZN), instalado no Fórum Varela Barca, na Região Administrativa Norte de Natal, Rio Grande do Norte, como forma de descentralizar a atuação do judiciário trabalhista e aproximá-lo dos jurisdicionados. Por meio de uma abordagem descritiva (GIL, 2008), o estudo analisa as particularidades da região que culminaram na necessidade de criação do PAJT-ZN, bem como de que forma essa medida ampliou o acesso à justiça àqueles que ali residem. Em níveis quantitativos, considerando os dados populacionais disponibilizados pela Prefeitura do Natal em 2017, por meio do seu plano diretor, a Região Administrativa Norte corresponde à maior das quatro regiões da capital, com população superior a 360.000 habitantes. Ademais, a jurisdição da nova unidade alcança também os municípios de Extremoz/RN e São Gonçalo do Amarante/RN, totalizando três regiões marcadas por uma alta densidade populacional e baixos índices de rendimento médio, que giram em torno de 1,06 salário mínimo, conforme o Censo de 2022 publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No tocante aos litígios autuados nas Varas do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT-RN), as três áreas hoje também abarcadas pela unidade recém criada representam um percentual significativo nesta soma. Isso porque, de acordo com os dados processuais estatísticos fornecidos pela secretaria do Fórum Trabalhista de Natal, entre os anos de 2020 a 2022, a média anual de processos provenientes dessas localidades foi de 4.700 ações. Já a média de processos totais do Regional nesse mesmo biênio foi de 23.868 processos, conforme relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça. Com esses valores, aufere-se que apenas os processos originários dessas regiões representaram 19,69% das ações protocoladas no TRT-RN, órgão esse com jurisdição sobre mais de 160 municípios. Deve-se sublinhar que destes 160 municípios, 21 estão sob a circunscrição de Natal (incluindo os três objetos deste estudo), para os quais toda a estrutura jurisdicional da Justiça do Trabalho situava-se apenas no Complexo Judiciário localizado no bairro de Lagoa Nova, na Região Administrativa Sul da cidade, muito embora o nível elevado de demandas judiciais crie a necessidade de estabelecer novos fóruns e promover uma distribuição razoavelmente uniforme do volume de trabalho (FIX-FIERRO, 2003). Com a criação do PAJT-ZN, em junho de 2023, a descentralização dessa jurisdição pôde ser iniciada, proporcionando avanços relacionados à acessibilidade e eficiência do judiciário, ao reduzir a sobrecarga do Fórum Trabalhista matriz e promover uma distribuição mais equitativa dos serviços de justiça àqueles antes desfavorecidos pela localização. Para Gargarella (1996), a descentralização do poder é uma forma de tornar a esfera pública mais inclusiva e participativa, incentivando a presença das comunidades locais nos processos judiciais. Quanto à valorização da acessibilidade, é relevante destacar que entre as duas Regiões Administrativas mencionadas (Norte e Sul), há uma divisão geográfica natural significativa: o Rio Potengi. Essa barreira natural impõe desafios consideráveis ao deslocamento entre as regiões, exigindo que o trânsito ocorra exclusivamente por meio de pontes - frequentemente repletas de congestionamento e obras públicas - o que contribui para a complexidade do percurso. Em vista disso, a expansão da atividade jurisdicional trabalhista para o norte da cidade também foi fundamentada na abordagem demográfica que permeia a região.Contudo, por meio dos dados processuais estatísticos, fornecidos pela secretaria do Fórum Trabalhista de Natal, constatou-se que, embora o PAJT-ZN já esteja em funcionamento desde 2023, até o primeiro semestre de 2024 poucas são as unidades jurisdicionais com atuação voluntária na região. Para além da 2ª Vara do Trabalho, presente desde a etapa de adaptação, o posto conta apenas com a atuação voluntária da 6ª Vara do Trabalho e do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), não obstante o TRT-RN reúna 13 Varas do Trabalho sob circunscrição de Natal/RN.Posto isso, é possível perceber que trata-se, ainda, de uma iniciativa tímida, embora crucial para solucionar questões que há muito exigem atenção, como a dificuldade de acesso à justiça por parte dos cidadãos da Região Administrativa Norte de Natal, que enfrentam barreiras econômicas e logísticas para buscar assistência legal. A criação do PAJT-ZN parece se apresentar como uma resposta necessária a essas dificuldades, oferecendo uma via de acesso mais direta e eficiente aos serviços judiciais. Para Boaventura Santos (2007), esta profusão de iniciativas e alternativas partilham um denominador com grande potencial de transformação das práticas tradicionais de acesso à justiça: a capacitação jurídica do cidadão. REFERÊNCIAS Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Cappelletti, M., & Garth, B. (1988). Acesso à justiça (E. G. Northfleet, Trad.). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). (2022). Justiça em Números 2023: ano-base 2022. Brasília, DF: CNJ. Fix-Fierro, H. (2003). Courts, Justice and Efficiency: a socio-legal study of economic rationality in adjudication. Oxford and Portland. Gargarella, R. (1996). La Justicia Frente al Gobierno: Sobre el Carácter Contramayoritario del Poder Judicial. Madrid: Siglo XXI. Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2022). Censo Demográfico 2022. Rio de Janeiro: IBGE. Organização das Nações Unidas (ONU). (2023). Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Prefeitura de Natal. (2017). Plano Diretor de Natal. Natal: Prefeitura de Natal. Santos, B. de S. (2007). Para uma revolução democrática da Justiça.
Palavras-chave
Posto de atendimento avançado, acesso a justiça, descentralização jurisdicional, justiça itinerantePDF Todos os trabalhos desta edição