Anais EnAJUS 2024

ISSN 2674-8401

O Acesso à Justiça de Crianças e Adolescentes. Estado da Arte e Agenda de Pesquisa

Autoria: Pedro Wandscheer Zangrando, Tomas de Aquino Guimaraes

Informações

Sessão 03 - 26/11/2024, 10:00
Mediação: Tomas de Aquino Guimaraes (Universidade de Brasília)

Resumo

 O acesso à justiça é um tema multifacetado e o conceito se consolidou a partir do trabalho de Cappelletti e Garth(1988) que sugeriram a existência de três ondas do acesso à justiça: Assistência judiciária para os pobres; Representação dos interesses difusos; e Do acesso à representação em juízo a uma concepção mais ampla de acesso à justiça. As três ondas mostram as diferentes etapas da efetivação do acesso à justiça em diversos países e pesquisas constataram essas três ondas, porém no Brasil, a efetivação do acesso à justiça se deu de maneira diferente (Igreja & Rampin, 2021). Como se trata de um tema abrangente ainda existem lacunas a serem pesquisadas. Nessa linha, o objetivo da pesquisa é descrever o estado da arte sobre acesso à justiça de crianças e adolescentes, identificar lacunas conceituais e metodológicas e propor uma agenda de pesquisa sobre o tema. Foram recuperados artigos de bases de dados disponíveis no Portal de Periódicos da CAPES, do período 2018-2023. A pesquisa é relevante por se propor a investigar o acesso à justiça de crianças e adolescentes, tema sensível sob qualquer ângulo de análise, seja social, político, psicológico e de saúde pública. A análise dos artigos revisados permitiu identificar que os temas mais importantes de acesso à justiça de crianças e adolescentes incluem casos de abusos/violações de direitos dessas pessoas em situação de vulnerabilidade social, violências físicas e sexuais, pesquisas centradas na visão de crianças e adolescentes no acesso à justiça, intitulado de Child First. Na temática da vulnerabilidade social os condicionantes sociais e as vulnerabilidades sociais estão presentes e impactam negativamente o acesso à justiça dessas crianças e adolescentes e as políticas públicas que visam dar melhores condições de acesso à justiça a esse público precisam levar em conta esse acesso de uma maneira ampla e inclusiva aos mais vulneráveis. O acesso à justiça para crianças e adolescentes que passaram por violações de direitos, ocorre principalmente relacionado a situações em que o indivíduo foi privado de algum direito fundamental e a efetivação do acesso à justiça está ligada a recuperação desse direito que lhe foi tirado/rompido após a violação. Diante dos estudos, foi possível identificar que, no contexto da violência sexual, os procedimentos pelos quais as crianças passam durante a tramitação do processo judicial, desde a revelação do abuso, contribuem para que ela reviva aspectos do trauma sofrido. Isso se dá em razão da repetição do seu relato para diferentes profissionais das instituições por onde passa. Identificou-se também que o ato de registrar e notificar a violência contra crianças e adolescentes ainda não se configura como uma prática usual na rotina de profissionais do setor de saúde. Os estudos mostram a vulnerabilidade como força motriz para os casos de sexualidade precoce e violações de mulheres jovens. Parte dos casos envolvendo essas meninas têm forte relação com a pobreza e a desigualdade de gênero, mas também trouxe a influência da corrupção, bem como a prestação de serviços em troca, conforme abordados por (Conceição et al., 2022; Ninsiima et al., 2020). Constatou-se que os estudos têm se voltado para uma abordagem que visa trazer a visão e os anseios dessas crianças e adolescentes para o centro da discussão e das pesquisas, conceito conhecido como “Child First”. Os estudos com essa abordagem trazem uma contribuição metodológica de pesquisa que é trazer a visão dessas crianças sobre os que elas passam na questão de acesso à justiça, no sentido mais amplo. Embora as nuances dos desafios de inclusão das crianças e adolescentes no acesso à justiça sejam grandes, é imprescindível tentar abordar nas novas pesquisas uma maior participação das crianças e jovens, para que no futuro a formulação de políticas públicas de qualidade de acesso à justiça dessas pessoas inclua métodos mais centrados na percepção da criança, identificando e trazendo as questões dos direitos (Gilles et al., 2019). Uma das lacunas de pesquisa, no caso brasileiro, refere-se à ampliação e realização de pesquisas em distintas localidades, para melhor entendimento do fluxo de atendimento das notificações de violências contra crianças e adolescentes em distintas regiões/cidades do país (da Silva et al., 2019). Como recomendações de melhoria das políticas judiciárias e visando tornar a assistência jurídica acessível às crianças, não basta apenas transmitir formalmente informações sobre a disponibilidade de assistência jurídica a uma criança. Uma ação crucial é garantir que o direito à assistência jurídica e seu conteúdo sejam adequadamente explicados às crianças, isso requer que informações jurídicas sejam transmitidas em uma linguagem que as crianças possam compreender. A revisão da literatura demonstrou que há poucos estudos sobre acesso à justiça de crianças e adolescentes na perspectiva sobre como funciona a rede institucional mantida pela administração pública, encarregada de promover esse acesso. Esta lacuna indica a necessidade de estudos que compreendam de maneira global o acesso à justiça, com a perspectiva teórica da governança em rede, não se restringindo aos tribunais, com abordagens mistas e que incluam a visão do todo o processo que envolve o acesso à justiça de crianças e adolescentes. Cappelletti, M., & Garth, B. (1988). Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Nothfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor.Conceição, M. M. da, Whitaker, M. C. O., Grimaldi, M. R. M., Silva, L. L. P. da, Silva, L. S. da, Oliveira, M. M. C., & Camargo, C. L. de. (2022). Child and adolescent victims of sexual violence: aspects of physical and emotional development. Revista Brasileira de Enfermagem, 75(suppl 2). https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0584da Silva, P. A., Lunardi, V. L., Meucci, R. D., Algeri, S., da Silva, M. P., & Franciscatto, F. P. (2019). (In) visibility of notifications of violence against children and adolescents registered in a municipality in southern Brazil. Investigacion y Educacion en Enfermeria, 37(2). https://doi.org/10.17533/udea.iee.v37n2e11Gilles, J. K. J., Elisha, I., Ruck, M. D., Tenenbaum, H. R., & Willenberg, I. A. (2019). Does Situation Matter in Conceptions of Children’s Nurturance and Self-determination Rights? International Journal of Children’s Rights, 27(4), 631–659. https://doi.org/10.1163/15718182-02704002Igreja, R. L., & Rampin, T. T. D. (2021). Acesso à justiça: um debate inacabado. Suprema - Revista de Estudos Constitucionais, 1(2), 191–220. https://doi.org/10.53798/suprema.2021.v1.n2.a68Ninsiima, A. B., Michielsen, K., Kemigisha, E., Nyakato, V. N., Leye, E., & Coene, G. (2020). Poverty, gender and reproductive justice. A qualitative study among adolescent girls in Western Uganda. Culture, Health and Sexuality, 22(sup1), 65–79. https://doi.org/10.1080/13691058.2019.1660406

Palavras-chave

Acesso à Justiça, Crianças e Adolescentes, Governança em Rede, Políticas de Acesso à Justiça
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