Anais EnAJUS 2024

ISSN 2674-8401

O Crime de tráfico: entre a Cautelar e a Sentença, o Cárcere

Autoria: Andréa da Silva Brito, Aldo Colombo Junior, Francisco Raimundo Alves Neto

Informações

Sessão 22 - 27/11/2024, 14:00
Mediação: Jessica Traguetto Silva (Universidade Federal de Goiás)

Resumo

 A liberdade, amplamente exaltada em contextos artísticos e intelectuais, assume diferentes significados no cotidiano. Frequentemente, essa liberdade é restringida pelas autoridades e pelas próprias circunstâncias vividas pelos indivíduos. Nas prisões, a liberdade é um ideal distante, representando um desafio constante. O encarceramento em massa no Brasil é exacerbado por decisões judiciais equivocadas, especialmente em casos de tráfico de drogas. Consagrada como direito fundamental pela Constituição Federal de 1988, a presunção de inocência traz garantias para o devido processo legal. O princípio constitucional, segundo o qual “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado [...]” (BRASIL, 2022), garante o in dubio pro reo, limitando, a priori, a aplicação de prisões cautelares e antecipação de penas (NICOLITT, 2020). No entanto, o sistema de justiça criminal brasileiro opera de forma disfuncional, resultando em um dos maiores índices de encarceramento do mundo. Em 2021, o Brasil contabilizou 682,1 mil presos, com uma taxa de 322 presos por 100 mil habitantes, e 31,9% dos presos aguardavam julgamento. Para enfrentar esse cenário, foi instituída a audiência de custódia, que visa garantir que qualquer pessoa detida seja apresentada a uma autoridade judicial em até 24 horas. Essa audiência permite averiguar a legalidade da prisão, analisar a necessidade de medidas cautelares e documentar relatos de tortura ou maus-tratos por parte da polícia ou outros agentes públicos (Conselho Nacional de Justiça [CNJ], 2020). Apesar da resistência inicial, a regulamentação desse instituto avançou com a Resolução nº 213/2015 do CNJ. Em 2019, foram realizadas 2.088 audiências de custódia em Rio Branco, Acre, das quais 568 (27,20%) foram por tráfico de drogas. O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), sistematizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), destaca que a maior incidência de prisões ocorre em virtude de crimes relacionados ao tráfico de drogas. O contexto do sistema penitenciário acreano não é diferente: segundo dados do Instituto de Administração Penitenciária do Acre (IAPEN), até outubro de 2021, 23% da população carcerária do estado correspondia a pessoas envolvidas na referida modalidade de crime (Departamento Penitenciário Nacional, 2021). A distribuição das audiências entre os magistrados variou significativamente, com um magistrado presidindo 44,71% das audiências. Os dados sociodemográficos dos custodiados revelaram que a maioria era composta por homens jovens, negros, de baixa escolaridade e desempregados. Muitos não tinham antecedentes criminais ou envolvimento com organizações criminosas. Em termos de apreensão de drogas, a cocaína foi a substância mais comum, seguida pela maconha. A quantidade de droga apreendida variou, mas a maioria das audiências envolveu pequenas quantidades. As decisões judiciais nas audiências de custódia resultaram predominantemente em prisões preventivas (61,62%), seguidas de liberdade provisória com medidas cautelares. Das sentenças transitadas em julgado, 72,53% resultaram em condenações, destacando uma discrepância entre as decisões em custódia e as sentenças finais. A audiência de custódia é essencial para verificar a legalidade da prisão e evitar prisões desnecessárias e ilegais. No entanto, em muitos casos, ela tem contribuído para o encarceramento massivo, ao invés de mitigá-lo. A política de 'guerra às drogas' no Brasil, influenciada pela política norte-americana, tem reforçado a criminalização da pobreza e a seletividade penal. A Lei nº 11.343/2006, que estabelece o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, carece de critérios objetivos para distinguir entre uso pessoal e tráfico, resultando em prisões arbitrárias. A falta de clareza na aplicação da lei e a priorização da prisão preventiva têm intensificado o encarceramento de pessoas que, muitas vezes, são usuárias e não traficantes. O princípio da homogeneidade, que deveria orientar a aplicação de medidas cautelares proporcionais às circunstâncias do caso, é frequentemente desconsiderado. A prisão preventiva é aplicada com base em presunções, sem uma devida fundamentação quanto à necessidade real da medida. Este artigo analisou as decisões em audiências de custódia em Rio Branco, Acre, em 2019, destacando as disparidades entre essas decisões cautelares e as sentenças finais para casos de tráfico de drogas. Constatou-se que as audiências de custódia têm, em muitos casos, aplicado medidas mais severas do que as sentenças finais, contribuindo para a superlotação prisional. Para que a audiência de custódia cumpra seu papel de prevenir prisões desnecessárias, é essencial que a magistratura observe o princípio da homogeneidade e evite decretar prisões preventivas abusivas. Uma nova postura é necessária, considerando a exequibilidade de penas privativas de liberdade e evitando medidas cautelares desproporcionais. Reinstaurar o instituto da audiência de custódia como uma ferramenta para uma justiça criminal mais justa e eficiente é urgente. Isso inclui proteger os direitos dos presos, garantir a dignidade humana e combater a tortura e os maus-tratos. A análise evidenciou que, em 2019, as audiências de custódia em Rio Branco não foram efetivas em prevenir o encarceramento desnecessário, revelando uma necessidade de reforma para alinhar as práticas judiciais aos objetivos do instituto. REFERÊNCIAS Brasil. Constituição Federal de 1988. Brasília: Senado Federal. Brasil. Conselho Nacional de Justiça. (2015). Resolução nº 213, de 15 de dezembro de 2015. Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas. Brasília, DF: CNJ. Recuperado de https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2234Brasil. Conselho Nacional de Justiça. (2020). Manual de proteção social na audiência de custódia: parâmetros para o serviço de atendimento à pessoa custodiada. Brasília, DF: CNJ. Recuperado de https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/11/manual_de_protecao_social-web.pdfBrasil. Conselho Nacional de Justiça. (2024). Caderno temático de relações raciais: diretrizes gerais para atuação dos serviços penais. Brasília, DF: CNJ. Recuperado de https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/caderno-relacoes-raciais.pdfBrasil. Conselho Nacional de Justiça. (2024). Estatísticas sobre Audiências de Custódia Nacional. Atualizado em 03/06/2024. Recuperado de https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=be50c488-e480-40ef-af6a-46a7a89074bd&sheet=ed897a66-bae0-4183-bf52-571e7de97ac1&lang=pt-BR&opt=ctxmenu,currselConselho Nacional de Justiça. (2020). Audiências de Custódia. Recuperado de https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/audiencia-de-custodia/Departamento Penitenciário Nacional. (2021). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN). Ministério da Justiça e Segurança Pública. Recuperado de https://dados.mj.gov.br/dataset/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciariasNicolitt, A. (2020). Soberania dos veredictos: a garantia fundamental que pode levar à prisão? Consultor Jurídico. Recuperado de https://www.conjur.com.br/2020-jun-16/andre-nicolitt-soberania-veredictos  

Palavras-chave

Tráfico, Proporcionalidade, Cautelares, Sentença Definitiva
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