Anais EnAJUS 2024

ISSN 2674-8401

Os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial e os Desafios do Magistrado Brasileiro na Era Digital

Autoria: Ferdinando Marco Gomes Serejo Sousa, José Luis Luvizetto Terra

Informações

Sessão 21 - 27/11/2024, 14:00
Mediação: Eloisa Torlig (Observatório de Acesso à Justiça)

Resumo

A eleição e divulgação dos Princípios de Bangalore sobre Conduta Judicial resultou de um processo de consulta internacional apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC). Desenvolvidos inicialmente em 2001 e revisados em 2002, esses princípios se tornaram um referencial global para o comportamento ético no judiciário, abrangendo seis princípios-chave: independência, imparcialidade, integridade, idoneidade, igualdade e competência e diligência (ONU, 2008). No entanto, esses princípios foram formulados antes da popularização da internet e da transformação digital no judiciário, especialmente acelerada no Brasil. A rotina dos magistrados brasileiros, que antes era predominantemente física e presencial, agora incorpora uma vasta gama de atividades digitais, exigindo uma nova forma de atuação na chamada 'Era Digital' ou 'Era da Informação'.Os Princípios de Bangalore são parâmetros fundamentais que podem ser utilizados para guiar o comportamento dos juízes em todo o mundo.A independência dos juízes é essencial para que possam tomar decisões com base na lei e na justiça, livres de influências externas (ONU, 2008).A imparcialidade exige que os juízes não possuam preconceitos pessoais ou políticos que possam afetar suas decisões, evitando situações que possam comprometer sua imparcialidade (ONU, 2008).A integridade pessoal e profissional é crucial para que os juízes ajam de forma honesta e ética (ONU, 2008).A idoneidade demanda que os juízes se comportem de maneira apropriada e digna, preservando a confiança pública no judiciário (ONU, 2008).A igualdade requer que todas as partes sejam tratadas de forma justa e sem discriminação, respeitando a diversidade da sociedade (ONU, 2008).Por fim, a competência e diligência exigem que os juízes possuam o conhecimento necessário e atuem de maneira diligente e profissional (ONU, 2008).A Era Digital é caracterizada pela mediação tecnológica nas relações humanas e pela circulação sem precedentes de informações. No campo do Direito, isso se reflete em processos virtuais, audiências por videoconferência, digitalização de acervos, triagem automática de processos, sistemas online de penhora de bens, crimes cometidos em redes sociais, discursos de ódio e desinformação, inspeções virtuais e até casamentos por videoconferência (Rodrigues et al., 2022). Normas específicas foram criadas para regulamentar essas mudanças nas relações humanas, desde tipos penais para crimes virtuais até a validade de documentos e assinaturas digitais. No judiciário, têm-se a Lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/2006) e resoluções do CNJ sobre comportamento de magistrados em redes sociais e sobre uso de inteligência artificial no Judiciário (Resoluções 305/2019 e 332/2020).A Era Digital impõe novos desafios ao magistrado brasileiro, especialmente em relação aos princípios de competência e diligência e idoneidade. A competência na execução das funções judiciais requer não apenas um conjunto de conhecimentos técnicos, denominado coletivamente como hard skills, mas também habilidades de relacionamento, conhecidas como soft skills (Heckman & Kautz, 2012). A formação tradicional dos magistrados focava principalmente em habilidades técnicas, mas a atualidade demanda um equilíbrio entre essas habilidades e as interpessoais. Hoje, a habilidade de encontrar rapidamente informações e conectá-las de forma coerente tornou-se muito mais importante do que a memorização de detalhes legislativos.Por sua vez, o uso de ferramentas tecnológicas, como PJe, Sisbajud, Renajud, Siconjud, entre outras, é indispensável para o desempenho eficiente das atividades judiciais (ONU, 2008). Mas cada sistema exige capacitação específica e, muitas vezes, o uso de certificados digitais. Também a hipervisibilidade, ou a amplificação da visibilidade das ações judiciais devido à digitalização e às redes sociais, também representa um desafio. Nesse contexto, o princípio da idoneidade, que já exigia uma conduta irrepreensível dos juízes, é agora ainda mais relevante, pois qualquer deslize pode ganhar repercussão nacional instantaneamente (ONU, 2008).Também dentro do contexto de Era Digital no Judiciário, vê-se que a compreensão de dados de produtividade, metas e gráficos é crucial para o gerenciamento eficiente da atividade jurisdicional. As metas do CNJ, das Corregedorias e outros órgãos exigem do magistrado uma habilidade analítica para interpretar corretamente os dados e tomar decisões gerenciais.A Era Digital trouxe não apenas um aumento quantitativo nas demandas judiciais, mas também novos desafios qualitativos que exigem uma compreensão profunda das novas tecnologias e contextos sociais. Os Princípios de Bangalore continuam sendo relevantes, mas precisam ser interpretados à luz das novas realidades digitais. O magistrado moderno deve equilibrar conhecimentos jurídicos com habilidades interpessoais e técnicas, estar preparado para a hipervisibilidade de suas ações e ser capaz de gerenciar eficientemente as metas impostas. Adotar uma postura proativa em relação às novas tecnologias e entender seu impacto no exercício da função judicial é essencial para manter a eficácia e a credibilidade do Judiciário na contemporaneidade.ReferênciasHeckman, J. J., & Kautz, T. (2012). Hard evidence on soft skills. Labour Economics, 19(4), 451-464. Disponível em: https://www.nber.org/papers/w18121. Acesso em: 11 dez. 2022.Miranda, V., & Anaisse, P. (2021). A Administração Judiciária Moderna e as Soft Skills: o Papel do Magistrado no Gerenciamento de Equipes. Anais dos Congressos Estaduais de Magistrados – RS – Porto Alegre, 2(2), 212. Disponível em: http://ajuris.kinghost.net/OJS2/index.php/Anais-dos-Congressos/article/view/1262. Acesso em: 11 dez 2022.Nações Unidas (ONU). Escritório Contra Drogas e Crime (Unodc). Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial / Escritório Contra Drogas e Crime ; tradução de Marlon da Silva Malha Ariane Emílio Kloth. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2008.Rodrigues, H. W., Bechara, G. N., & Grubba, L. S. (2022). ERA DIGITAL E CONTROLE DA INFORMAÇÃO. Revista Em Tempo, 20(1). Disponível em: https://revista.univem.edu.br/emtempo/article/view/3268. Acesso em: 14 dez. 2022.Ribeiro, A. (2017). O equilíbrio entre soft e hard skills para o sucesso profissional. 

Palavras-chave

Princípios de Bangalores, Deontologia, Desafios da Magistratura, Transformação Digital
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