Anais EnAJUS 2024

ISSN 2674-8401

Governança Digital no Judiciário e Acesso à Justiça por Pessoas em Situação de Vulnerabilidade: Comunidades Quilombolas no Estado da Bahia

Autoria: Beatriz Fruet de Moraes, Fabrício Castagna Lunardi

Informações

Sessão 19 - 27/11/2024, 10:00
Mediação: Fabricio Castagna Lunardi (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios)

Resumo

  A presente pesquisa tem o objetivo de investigar em que medida a governança digital no Judiciário pode incrementar o acesso à justiça por pessoas e grupos integrantes de comunidades quilombolas na Bahia em situação de vulnerabilidade geográfica, a fim de apresentar diagnósticos e propostas que possam auxiliar na construção de políticas para facilitar o acesso aos serviços judiciários e aos direitos destas comunidades. A metodologia utilizada é, inicialmente, a revisão de literatura acerca da governança judicial (Akutsu & Guimarães, 2015), a fim de delimitar as dimensões de análise, bem como acerca da governança digital no Judiciário e das condições de acesso à justiça por grupos identificados por quilombolas e que se apresentem em situação de vulnerabilidade, no sentido geográfico (Torlig, Gomes & Lunardi, 2023). Na segunda etapa, realizou-se pesquisa empírica de natureza qualitativa com observação participante na comunidade quilombola do Remanso situada na localidade denominada Chapada Diamantina, no Município e Comarca de Lençóis, Estado da Bahia. A partir disso, realizaram-se dois grupos focais, de forma presencial, com cinco moradores dessas duas comunidades em cada um deles, no dia 30 de maio de 2024, sendo devidamente gravados e transcritos os dados obtidos, além de precedidos da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. As recentes transformações tecnológicas têm impactado os sistemas de Justiça, promovendo melhorias nas práticas relativas às formas de prestação dos serviços judiciários (Reiling & Contini, 2022). Dados do Conselho Nacional de Justiça (Brasil, 2024a) indicam progressivos aumentos no acervo de processos que aguardam uma resposta jurisdicional, alcançando o montante de 84 milhões no final do ano de 2023. No entanto, apesar do grande acesso aos serviços judiciários no Brasil, esse acesso é desigual, pois há expressiva parcela população que sequer possui certidão de nascimento, o que a priva do exercício de direitos básicos. Em razão disso, próprio CNJ tem desenvolvido esforços concentrados para a erradicação do sub-registro civil no Brasil, como é o caso do programa “Registre-se” (Brasil, 2024b), o que está a indicar a convivência de uma parcela da população que sequer alcança direitos mais básicos de cidadania. O cenário indica a necessidade de consideração dos caminhos de implementação da Justiça Digital para identificação e atuação dos valores diretamente ligados aos próprios fins da atuação jurisdicional, indicando a relevância da governança digital no Judiciário e das suas dimensões de análise (Moraes, Lunardi & Correia, 2024). A partir dessas abordagens teóricas, foram realizadas pesquisas empíricas de natureza qualitativa para responder à seguinte pergunta: em que medida a implementação da Justiça Digital pode contribuir para a melhoria do acesso aos serviços judiciários por pessoas e grupos quilombolas em situação de vulnerabilidade geográfica? Com base na pesquisa qualitativa com observação participante realizada na comunidade quilombola do Remanso, situada na Chapada Diamantina, no interior do Estado da Bahia, Brasil, constatou-se que: i) as pessoas que residem nessas comunidades precisam deslocar-se por 18km, sendo 15km de estrada de terra, para alcançar a estrutura física do único fórum da Comarca situado no Município de Lençóis; ii) esse deslocamento é feito com grande dispêndio de recursos, já que não há transporte público para atender a esta demanda e as pessoas precisam cotizar-se para contratarem um veículo ou fazer o deslocamento a pé; iii) a internet e os aparelhos de tecnologia digital, sobretudo os celulares, são acessíveis aos integrantes da comunidade e podem auxiliar a Justiça a alcançar as regiões mais longínquas das atuais estruturas físicas dos fóruns existentes, inserindo os seus habitantes no contexto social de realização de direitos. Após a realização dos dois grupos focais com moradores da comunidade quilombola do Remanso, com a oitiva de dez pessoas, os dados coletados foram analisados utilizando-se a técnica de análise de conteúdo preconizada por Bardin (2020). Com apoio do software Atlas.Ti, foram construídas cinco dimensões para a governança digital e o acesso à justiça por comunidades quilombolas da região da Chapada Diamantina, Estado da Bahia, a partir do agrupamento do conteúdo dos dados primários obtidos, quais sejam: 1) barreira geográfica; 2) facilidade da tecnologia para o acesso à justiça e aos direitos; 3) recursos e estrutura para o uso da tecnologia; 4) acesso ao conhecimento e entendimento de direitos; e 5) facilitadores da comunidade para integração dos sistemas jurídico e tecnológico. Destaca-se, ainda, que a maioria dos entrevistados relatou que: a) há considerável barreira geográfica para acesso ao Fórum da Comarca de Lençóis/BA, com a necessidade de deslocamento a pé por 15km ou com o fretamento cotizado de veículo; b) principalmente por tal razão, sugerem que o uso da tecnologia pela Justiça nas comunidades quilombolas ampliaria o acesso à Justiça; c) conhecem alguns direitos, mas precisam da Justiça e de outras pessoas para obterem maiores informações sobre eles para poderem exercê-los, sobretudo facilitadores treinados da própria comunidade local; d) possuem acesso aos recursos de tecnologia, principalmente, o celular com alcance à internet (ainda que instável). Ao investigar o contexto (pesquisa participante) e a percepção de moradores da comunidade quilombola do Remanso, situada no Município de Lençóis, interior do Estado da Bahia, Brasil, verifica-se que o acesso à justiça ainda é dificultoso e muito díspar, sobretudo diante da existência de barreiras geográficas e de acesso à informação. Ao final, conclui-se que a governança digital e o uso das tecnologias pelo Judiciário, adaptadas às peculiaridades regionais, podem contribuir para facilitar o acesso à justiça, minimizar as barreiras geográficas e sociais que afastam as pessoas da concretização dos seus direitos mais básicos, possibilitando a redução das desigualdades sociais e regionais. Deste modo, esta pesquisa tem o potencial de aprofundar os estudos acerca da qualidade do acesso à justiça no Brasil, interligando as possibilidades que as transformações tecnológicas no Judiciário podem trazer para o alcance maior igualdade neste acesso. ReferênciasAKUTSU, L., & GUIMARÃES, T.A. (2015). Governança judicial: Proposta de modelo teórico-metodológico. Revista de Administração Pública, 49(4), 937–958.BARDIN, L. (2020). Análise de conteúdo. Edições 70.BRASIL. Conselho Nacional de Justiça (2024a). Estatísticas do Poder Judiciário. Disponível em: https://justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-estatisticas/. Acesso em: 3 jun. 2024.BRASIL. Conselho Nacional de Justiça (2024b). Registre-se. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/campanha/registre-se/. Acesso em: 3 jun. 2024.MORAES, B.F.; Lunardi, F.C.; Correia, P.M.A.R. (2024). Digital Access to Judicial Services in the Brazilian Amazon: Barriers and Potential. Social Sciences, 13 (2), 1-17.REILING, D., & CONTINI, F. (2022). E-Justice Plataforms: Challenges for Judicial Governance. Internacional Journal for Court Administration, 13: 1-18. TORLIG, E., GOMES, A.O, & LUNARDI, F.C (2023). Acesso à justiça: um guia epistemológico para pesquisas futuras. Lex Humana, 3(15), 225-244. 

Palavras-chave

administração da justiça, transformação digital, governança digital, acesso à justiça, população tradicional quilombola.
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