Anais EnAJUS 2024
ISSN 2674-8401
Protocolo de Atendimento Judicial de Mulheres em Situação de Violência
Autoria: Myrian Caldeira Sartori, Adalmir de Oliveira Gomes, Ben-Hur Viza
Informações
Sessão 01 - 26/11/2024, 10:00
Mediação: Adalmir de Oliveira Gomes (Universidade de Brasília)
Resumo
A Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha (LMP) criou mecanismos judiciais para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres, destacando-se os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres (JVDFM). A especialização do Judiciário para atuar em crimes cometidos contra as mulheres é parte de uma mudança paradigmática do Direito iniciada com a promulgação da LMP, a qual inova em diversos aspectos com o intuito de promover atendimento integral, intersetorial e interdisciplinar (Campos, 2017). Esperava-se que a especialização dos equipamentos públicos pudesse garantir a ampliação do acesso aos direitos às mulheres nessas situações, bem como uma resposta estatal adequada aos crimes cometidos (Bandeira, 2014). Muitos avanços foram feitos desde a publicação da LMP e a atuação do Estado tem sido apontada como fator de proteção nas situações de violência contra as mulheres (Magalhães; Zanello; Ferreira, 2023). No entanto, o atendimento judicial especializado às mulheres tem se mostrado um desafio para os diversos atores do Sistema de Justiça (Aquino; Alencar, Stuker, 2021), assim como em outras instituições da rede de proteção (Ávila et all, 2020). Alguns estudos apontaram os desafios da atuação dos JVDFM no atendimento às vítimas, bem como a necessidade de aprimoramento dos mecanismos judiciais (Aquino; Alencar, Stuker, 2021). Sensível a essas discussões, a equipe do JVDFM do Núcleo Bandeirante, no Distrito Federal, estabeleceu um Protocolo para acompanhamento destinado a acolher e orientar as mulheres, identificar as situações de reincidência e de descumprimento das medidas protetivas, e realizar encaminhamentos aos serviços públicos, dando, assim, maior efetividade ao trabalho do Juizado e ampliando a proteção das mulheres. O acompanhamento é realizado nos autos das Medidas Protetivas de Urgência, por meio de contatos periódicos com as mulheres, conforme fluxo estabelecido entre o magistrado e a equipe do JVDFM. A construção do Protocolo foi precedida de revisão bibliográfica e pesquisa empírica com entrevistas com mulheres com processos judiciais em tramitação. O acompanhamento é realizado por meio de três tipos de contato: a) atendimento inicial por telefone, realizado no momento que chega o requerimento das medidas protetivas; b) contatos telefônicos ou por whatsapp, realizados conforme cronograma pré-estabelecido; e c) atendimento presencial, nos casos de pedido de revogação das medidas protetivas ou identificação de risco de novas situações de violência. Os contatos de iniciativa do Juizado se dão conforme os prazos (não processuais), sendo possível determinar prazos mais curtos a depender do risco e da gravidade da situação. No momento da decisão do requerimento da Medida Protetiva, é realizado o primeiro contato telefônico com a Ofendida para compreender o contexto de risco, verificar se houve alteração da situação fática desde o registro da ocorrência, tirar dúvidas quanto ao requerimento da Ofendida na Delegacia, e, se for o caso, verificar interesse em algum encaminhamento imediato. Após cerca de 15 dias da decisão de concessão das medidas protetiva, servidores do JVDFM realizam outro contato telefônico com a Ofendida para verificar se houve intimação da Ofendida e do Ofensor, se o Ofensor está cumprindo as medidas protetiva, e, se for o caso,verificar se houve adesão aos encaminhamentos. Nos prazos de 30, 60, 120 e 180 dias, são realizados outros contatos periódicos com a Ofendida para os mesmos fins. Em caso de identificação de novas situações de violência ou de descumprimento das medidas protetivas, um novo protocolo de intervenção é iniciado para atuação imediata com medidas de segurança, podendo envolver outros atores, como Ministério Público, Polícia Militar e Polícia Civil, e podendo culminar na prisão preventiva do Ofensor. Para uso adequado do Protocolo elaborado, foram realizadas formações da equipe e estudo de casos, culminando em sucessivos ajustes de fluxos, diretrizes e orientações. O Protocolo está em uso desde julho de 2023, tendo gerado os seguintes resultados: a) melhoria no acolhimento das mulheres, ampliando o acesso à justiça, uma vez que o contato direto permite que as mulheres possam tirar dúvidas, entender os procedimentos judiciais e conhecer os serviços disponíveis a elas; b) instrução adequada do requerimento das medidas protetivas, tendo sido verificado o aumento do deferimento de medidas protetivas, que antes eram indeferidas por falta de provas ou informações; c) identificação precoce de situações de aumento do risco; d) identificação e intervenção imediata nas situações de descumprimento das medidas protetivas; e) avaliação da adesão das partes aos encaminhamentos propostos, e f) verificação da satisfação das mulheres com os serviços prestados por parceiros. Com base na experiência adquirida ao longo do tempo, foram identificadas necessidades de aprimoramento no Protocolo, como por exemplo: automatização de alguns procedimentos, qualificação do(a) servidor(a) que realiza o primeiro contato, articulação com as Delegacias de Polícia que atendem o JVDFM para aprimorar a instrução dos pedidos de medidas protetivas, avaliação do impacto do projeto, e aferição do nível de satisfação das mulheres atendidas. Essas melhorias devem possibilitar uma compreensão mais adequada da atuação do Judiciário, bem como a expansão do Protocolo para os demais Juizados. REFERÊNCIASAquino, L., Alencar, J., Stuker, P. (Org.) (2021) A Aplicação da Lei Maria da Penha em Cena: atores e práticas na produção de justiça para mulheres em situação de violência. Rio de Janeiro. Ipea. Ávila, T. P., Medeiros, M. N., Chagas, C. B., Vieira, E. N., Magalhães, T. Q. S., & Passeto, A. S. Z. (2020). Políticas públicas de prevenção ao feminicídio e interseccionalidades. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 10(2). Bandeira, L. M. (2014). Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Revista Sociedade e Estado, 29, 449-469. https://doi.org/10.1590/S0102-69922014000200008 Campos, C. H. (2017). Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático. Revista Brasileira de Segurança Pública. São Paulo v. 11, n. 1, 10-22. https://doi.org/10.31060/rbsp.2017.v11.n1.778Magalhães, B. M., Zanello, V., & Ferreira, I. F. R. (2023). Affects and emotionalities in women who have suffered intimate partner violence. Revista Psicologia: Teoria e Prática, 25(3), Artigo 3. https://doi.org/10.5935/1980-6906/eptpcp15159.en
Palavras-chave
Lei Maria da Penha; Violência contra a Mulher; Acesso à justiça; Atendimento judicial; Administração da justiçaPDF Todos os trabalhos desta edição