Anais EnAJUS 2024

ISSN 2674-8401

Sistema Prisional em Crise: uma Análise da Reincidência como Medida da Ressocialização

Autoria: Aline Gomes dos Santos Silva, Andrea da Silva Brito, Diego Paolo Barausse

Informações

Sessão 22 - 27/11/2024, 14:00
Mediação: Jessica Traguetto Silva (Universidade Federal de Goiás)

Resumo

 O sistema penitenciário brasileiro está em crise. Assim reconheceu o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Declaratória de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, que declarou o “estado de coisas inconstitucional” do sistema carcerário, dando ênfase à violação massiva de direitos fundamentais dos presos. Dentre as principais violações do sistema prisional, estão incluídas a superlotação, insalubridade das celas, falta de assistência jurídica, médica, psicológica e social e altos níveis de violência – como agressões, abusos sexuais, torturas e homicídios. Rogério Greco (2021) afirma que a superlotação é o principal ponto que impede o processo de ressocialização e da criação de projetos que possam contribuir para tal finalidade. O descompasso entre a capacidade projetada e a realidade do quantitativo de pessoas presas em um mesmo ambiente, com condições totalmente vulneráveis, é um dos fatores que contribuem para a contínua violação de direitos (Greco, 2021). A permanência dessas violações impede o cumprimento da finalidade ressocializadora, prevista na Lei de Execução Penal. Nesse aspecto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF), que visa a promover a reestruturação estrutural do sistema prisional, mediante iniciativas como a elaboração de projetos de reinserção social. Isso, porque se acredita na importância da reinserção social para impedir que o egresso volte a delinquir, prevenindo, assim, a reincidência. As Regras de Mandela (Conselho Nacional de Justiça, 2016), da ONU, estabelecem que a pena de prisão deve reduzir a reincidência e promover a reintegração dos presos à sociedade. Observa-se que a realidade se afastou do ideal previsto na legislação e distante se afigura o cumprimento do eixo ressocializador da pena. É nesse contexto que a realidade prisional se predestinou ao fracasso quanto ao objetivo da ressocialização, pelo que a prisão seria voltada, apenas, a neutralizar aquele que delinquiu, conforme concluiu Alessandro Baratta (1990). Em razão dessa deficiência da prisão-pena, Baratta identifica que a “[...] pena carcerária para o delinquente não significa em absoluto uma oportunidade de reintegração à sociedade, mas um sofrimento imposto como castigo” (Baratta, 1990). Andrew Coyle (2002), em seu manual Administração Penitenciária: Uma Abordagem de Direitos Humanos, destaca que as prisões devem ser espaços de desenvolvimento de habilidades educacionais e vocacionais para reduzir a reincidência. O autor evidencia que é necessário estabelecer parcerias com a sociedade civil, de modo a propiciar maiores oportunidades aos presos fora do cárcere. Baratta (1990) também aponta a necessidade de integração da sociedade no contexto do cumprimento da pena para quebrar preconceitos e facilitar a reintegração. Com essa perspectiva, foi criada a metodologia aplicada pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), entidade civil de direito privado que se postou como alternativa ao sistema prisional convencional. A metodologia APAC é reconhecida por não utilizar medidas coercitivas violentas, bem como por envolver os próprios presos na gestão da custódia e manutenção predial, desde a alimentação, à conservação e segurança. As APAC operam com base em doze pilares, incluindo participação da comunidade, trabalho, religiosidade, assistência jurídica e saúde, valorização humana, e reintegração social. Estudos indicam que a metodologia APAC resulta em menores índices de reincidência comparados ao sistema prisional comum. Dados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC) apontam uma reincidência de 14,96% nas APAC, contra 70% no sistema comum. A partir dessa larga diferença entre os índices de reincidência, demonstrou ser a APAC o sistema carcerário perfeito e desejável para substituir o atual, uma oportunidade para superação da crise. Contudo, ao se realizar buscas mais acuradas sobre a cientificidade dos dados estatísticos acerca da reincidência apontada, observou-se uma série de incongruências, bem como evidenciou-se que não existem dados de todos os estados brasileiros que identifiquem a real medida de reincidência. Dessa constatação, surgiu a questão a ser dirimida: a partir da análise dos índices de reincidência, é possível afirmar que o sistema APAC é uma alternativa viável ao sistema prisional convencional? Acredita-se que a medição da reincidência criminal é crucial para avaliar a eficácia das políticas de ressocialização. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo apresentar, por meio de revisão bibliográfica e exploratória, a necessidade de se implementar um banco de dados nacional para se aferir a reincidência e propiciar a formulação de políticas públicas necessárias ao alcance da reintegração social. Contudo, algumas questões apontadas em estudos elaborados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2015) e relatório produzido pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e Ministério da Justiça (2022), identificou que a diversidade de conceitos de reincidência dificulta a construção de estatísticas precisas. Além disso, a inexistência de banco de dados nacional que contemple a certidão de antecedentes criminais também é um obstáculo. Tanto a pesquisa realizada pelo IPEA, quanto a realidade descrita pelo Ministério da Justiça e Depen, identificaram que a reincidência no país não chega ao nível de 70% – de acordo com o senso comum –, mas a 24,4%, considerando a definição legal prevista no código penal, e a 42,5%, se considerada uma definição mais ampla de reincidência. Entende-se que o estudo da reincidência criminal como medida da ressocialização está intrinsecamente relacionado às condições do cárcere e às políticas públicas vigentes antes, durante e após o cumprimento de pena, como forma de reintegração social ao egresso. Espera-se, com essa pesquisa, contribuir para ampliação do debate quanto às estratégias necessárias para romper o ciclo da reincidência criminal, sobretudo a partir da criação de um banco de dados de alcance nacional de modo a propiciar a formulação de políticas públicas que proporcione o cumprimento do eixo ressocializador da pena. REFERÊNCIAS Baratta, A. (1990). Ressocialização ou controle social: uma abordagem crítica da “reintegração social” do sentenciado. Alemanha. Recuperado de https://www.ceuma.br/portal/wp-content/uploads/2014/06/BIBLIOGRAFIA.pdfBrasil. Lei nº. 7.210, de 11 de julho de 1984. (1984, 11 de julho). Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União: seção 1. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htmConselho Nacional de Justiça. (2016). Regras de Mandela: regras mínimas padrão das Nações Unidas para o tratamento de presos. Brasília: CNJ.Coyle, A. (2002). Administração penitenciária: uma abordagem de direitos humanos. Manual para servidores penitenciários. Londres: International Centre For Prison Studies. Departamento Penitenciário Nacional. Ministério da Justiça. (2022). Reincidência criminal no Brasil. Greco, R. (2021). Sistema prisional: colapso atual e soluções alternativas. Niterói: Impetus. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (2015). Reincidência Criminal no Brasil - relatório de pesquisa. Rio de Janeiro: IPEA. Supremo Tribunal Federal. (2023). Ação Declaratória de Preceito Fundamental nº 347 MC, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2023. Brasília, DF: STF.

Palavras-chave

Sistema, Prisional, Crise, Reincidência, Ressocialização.
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